Lobito 25 de Outubro 1975

Acabo de receber a notícia de ter sido conquistada ao MPLA, pelas forças do bloco UNITA/FNLA, a cidade de Sá da Bandeira.
Cabe aqui esclarecer que a luta nunca se travou com os três Movimentos entre si: a disputa tem-se efectivamente sempre entre o MPLA. por um lado e a FNLA ou a UNITA pelo outro. FNLA e UNITA optaram pelo regime de "coexistência pacífica", e até por vezes têm operado em conjunto, posto que cada qual com seu comando próprio.
Será curioso notar que, politicamente, a UNITA parece estar mais próxima do MPLA que a FNLA, pois ambos se rotulam de socialistas. Mas para mim essa relativa identidade ideológica será um tanto aparente. é certo que poderão ser socialistas ambos os Movimentos, mas divergem e muito, no significado da expressão.
Enquanto um (UNITA) se procura definir num socialismo pacífico, um tanto liberal, possivelmente pluralista, o outro (MPLA) afirma-se cada vez mais no tipo de socialismo monolítico, agressivo, imperativo dos seus ideais, fechado ao dialogo, incontestado detentor da sua verdade convencionada ou da sua "verdade".
Movimento de minoria, o MPLA procura vencer, e tem vencido, apoderando-se das posições-chave, da imprensa, da rádio, bombardeando até à saturação o povo com alguns "slogans" anestésicos, sabiamente escolhidos e longamente experimentados já em todos os cantos do mundo onde o paternal olho soviético se tem dignado atentar.
Age em nome do povo - o MPLA é o povo e o povo é o MPLA - do povo que não ouviu, do povo que não auscultou, e a quem nem dá oportunidade de escolha.
Mas de escolha... para quê? Acaso alguma vez o pastor consulta o seu rebanho para a escolha de melhores pastos? E é por tudo isto que o MPLA luta; por um Estado-capitalista, por uma ditadura comunista. Repito, por uma ditadura comunista, não por um regime comunista, que este será, por muito tempo ainda (ou talvez sempre) meramente utópico.
O sistema comunista, até saudável nos seus princípios, só terá viabilidade prática, a meu ver, numa sociedade altamente evoluída, numa sociedade ideal onde não houvesse egoísmos, onde não houvesse homens maus, invejosos, ilicitamente ambiciosos e até ignorantes.
Mas porque não existe, nem jamais existirá, essa sociedade de sonho, o sistema só consegue vingar pela força, pela imposição da sua "verdade revelada" de minoria, através de uma ditadura mais ou menos férrea consoante o grau de civilização dos povos a dominar.
E assim, sendo Angola um país em formação, em que a maior parte da população vive em estádio de civilização medieval, imagine-se o funcionamento de um sistema dito comunista: o império absurdo de uma elite parasitando sobre o trabalho escravo do povo.
Na realidade, é nisso que comummente se traduz a ditadura comunista: o partido, minoritário que raramente atinge 20 por cento, assume o poder e logo a máquina administrativa é tomada de assalto por "gente de confiança", os partidários militantes. Os restantes (a grande maioria) passam à situação de meras unidades de produção - trabalho escravo - realizando-se assim, ironicamente, a muito apregoada "igualdade".
Mas, com colectivização da produção e a nacionalização dos seus resultados, naturalmente que se desencoraja a iniciativa individual e se desestimula o esforço por uma melhoria de vida; há então que montar um aparelho de controlo e fiscalização da produtividade, estabelecendo mínimos de produção e fazendo-os forçadamente cumprir (característica essencial da escravatura). E surgem, como cogumelos, os departamentos fiscalizadores de todas as actividades, e desdobra-se em milhentas repartições a administração publica. E claro está, que a esses lugares só terão acesso não os mais competentes, mas os de maior confiança, gente do partido.
Assim, a breve trecho a burocracia monstrualiza-se e confunde-se com o partido. Mas como a burocracia não produz riqueza, ficam desde logo definidos dois grandes grupos: os dos trabalhadores que produzem a riqueza do país, e o grande exercito de burocratas que fiscaliza e orienta a produção daqueles, e vive dessa produção.
Identifica-se, deste modo, a ditadura comunista como o domínio de uma minoria de burocratas que ascendeu ao poder em nome do povo trabalhador e para bem do povo, mas afinal vivendo à custa desse povo, até com indesfarçada ostentação de opulência. Como o sistema, no fundo, como diverge de feudal, a história repete-se apenas com alterações semânticas.
O poder popular, a democracia popular e outros chavoes insistentemente repetidos, são um meio, não um fim.
E é este o quadro que o MPLA pretende dependurar em Angola.
Como já disse atrás, o núcleo do MPLA é essencialmente constituído por alguns intelectuais, por funcionários públicos, estudantes e operários mais qualificados (quase exclusivamente das áreas de Luanda e Benguela) que vêem nisso uma oportunidade de se promoverem. Uma boa parte são mestiços aderentes ao MPLA por calculismo...
Este grupo étnico, embora tolerado pelos brancos, era geralmente repudiado pelos negros. Ora, no momento em que os quadros da Administração Pública vão ser inteiramente remodelados, e não há elementos negros capazes de substituir os funcionários brancos que deixam os cargos, surge a oportunidade de preencherem o vácuo, alcançando uma posição social sempre ambicionada sobretudo neste aspecto - supremacia sobre o preto.