Cont.(...) 2 Dezembro de 1975

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Com o começo da descolonização, com o reconhecimento do direito à greve (sem lei a condiciona-la) e com a concessão das fulgurantes e inebriantes liberdades que, além de reconhecerem direitos deixaram em letra morta os deveres, saltaram à luz do dia os oportunistas que logo fomentaram greves, protestos e reivindicações.
Sobretudo na parte salarial os resultados foram retumbantes: os salários dos empregos mais modestos, através de sucessivas subidas alcançaram em poucos meses aumentos na ordem dos 100 a 400 por cento. Os empresários estavam apavorados, mas cumpriram... enquanto puderam. Valeram-se da redução de quadros, mas logo lhes foram impostas as readmissoes. Os produtos com preço de venda tabelado cedo acusaram o descalabro e, ou a tabela foi esquecida ou surgiu o mercado negro.

O trabalhador já se lamenta de que, enquanto uns ganham muito mais que o suficiente para as necessidades, mesmo sociais, outros morrem de fome ou lançam-se no roubo. Anteriormente, todos ganhavam pouco, é certo, mas podiam viver do trabalho - ouve-se dizer.

E tudo em nome do dito nivelamento social!
Os carregadores portuários tiveram os seus salários aumentados de mil e poucos escudos para 4 e 5 contos mensais; contudo, as receitas dos portos caíram seguramente para menos de metade, talvez para menos de um terço.

A Câmara Municipal chegou a empregar cerca de 2.000 trabalhadores braçais em serviços de obras, limpeza e outros. Mas a súbita escalada dos salários criou-lhe situação embaraçosa e paradoxal. Embaraçosa, porque o encargo ultrapassou as possibilidades do seu erário e só lhe valeram (solução de momento) subsídios do Estado e empréstimos; paradoxal, porque a absorção das suas receitas no pagamento de salários deixou-lhe os cofres vazios para efectuar obras. Enfim, tem pessoal para obras mas este está parado porque não há dinheiro para as realizar.

Ora, salvo algumas excepçoes, a melhoria dos vencimentos não veio fomentar melhores condições de vida aos trabalhadores, não houve sensível elevação do seu nível social. A maioria, em vez de investir em melhor habitação, em renovar e completar o recheio domestico, em vestir e calçar mais decentemente, em se promover socialmente em suma, mantém-se no anterior estádio, esbanjando o sobrante em bebidas e artigos supérfulos - receptores de rádio, gravadores de som, bugigangas, os quais, mal tratados quase sempre, breve se inutilizam. Acresce a isto um disparo no absentismo ao trabalho porque, ganhando mais, bastar-lhes-ia dois ou três dias de trabalho semanal para satisfazer as suas necessidades.
Por isso, não houve realmente uma generalizada vida melhor das populações. ouve simplesmente, um surto demagógico que saciou, de momento, os naturais anseios de abastança do povo.

Demagogia que bem cara vai custar (já custa) ao país. E o regresso é sempre mais doloroso.
Porque tem que haver regresso; e antes que o país se abeire da bancarrota, pois será demasiada ingenuidade acreditar que se poderá viver eternamente das esmolas do exterior.