Lobito 11 Fevereiro de 1976

As tropas cubanas/MPLA entraram na cidade pouco depois do meio-dia de ontem, e foram precedidas por meia dúzia de grandes detonações (como tiros de pedreira) lá para os subúrbios da cidade. Ainda não sei a origem disso mas suponho que tenha sido o deflagrar de minas colocadas pelos que retiraram.
Ignoro também o número das forças destinadas à conquista desta zona.
Apenas vi dois "Land-Rover" com uma dúzia de cubanos e um camião carregado de soldados negros acompanhados por 2 ou 3 carros civis dando vivas, passando pelas ruas como quem, depois de competição vitoriosa, dá a volta à pista.
Escassas pessoas assistem ao "desfile", até porque muito pouca gente existe já nesta área. Contudo, amigos que àquela hora se encontravam noutros pontos da cidade e bairros suburbanos informaram-me que as tropas entraram na cidade com as ruas vazias. Toda a gente se encontrava recolhida em suas casas, ou receosas ou cansadas já da guerra e das suas mutações. Completo contraste com o que havia sucedido há 3 meses, quando da entrada triunfal das tropas Sulafricanas/UNITA.

Desta vez o panorama foi outro, muito diferente. Mas talvez não tanto por antipatia com o MPLA, e mais por cansaço da luta, por depressão causada por mais e maiores dificuldades de subsistência e, acima de tudo, pela descrença, pela amarga desilusão que o comportamento dos homens da UNITA causou.

O Consulado da UNITA foi realmente trágico, para brancos e para pretos. Foram 90 dias de incondicional subserviência ás prepotências e aos desmandos de um bando despótico. Para eles só interessava gozar os prazeres da vida, colher no momento o máximo de bens e riquezas que tinham à mão. Pouco importava a delapidação da economia, o estraçalhar das estruturas sociais; a maná era abundante e chegava bem para eles.
O povo, esse podia viver das migalhas sobrantes...

O Lobito tinha-se constituído em condado do seu Delegado Dr (?) Jorge Valentim; o qual era senhor absoluto destas terras, com ilimitado poder de vida ou de morte sobre os seus súbditos. Nada se fazia sem o seu consentimento. Bastava apetecer-lhe, e intervinha em qualquer actividade citadina. E... apetecia-lhe com muita frequência.
O Director do Porto não ousava contrariá-lo; o presidente da Câmara devia-lhe cega obediência; e execrável SINDACO dele recebia orientação e apoio; e os Bancos... os Bancos viviam com o credo na boca, receosos de contrariar Sua Excelência. Instalou-se no mais requintado hotel da cidade e dele fez o quartel-general, onde alojava seus directos adjuntos e respectivos "haréns". Vá lá: magnãnimamente autorizou que o dono do hotel (Hotel Grão Tosco) nele pudesse entrar e sair quando lhe aprouvesse, em sarcástico reconhecimento do direito de propriedade.
Esta é uma apreciação de cúpula, pois à medida que se descia na confusa escala herarquica da horla, mais se degradava a conduta dos seus elementos. E não havia queixas, porque o "patrão" dava o exemplo.

E o Governo da República Democrática ? E o Presidente do Movimento Savimbi ? Ora o Governo; ora o Presidente...! A esses só em teoria lhes reconhecia jurisdição no "seu território", pois calculadamente sabia que lhes faltava autoridade para se imporem.
Valentim bem podia, parodiando a conhecida frase de Luís XIV, dizer: o Lobito SOU EU! E isto é possível acontecer no século XX!
Ora esta situação teria de se repercutir no apoio à UNITA: afora os militares activos do Movimento (uma nova aristocracia), toda a população se sentiu lesada: nas pessoas, nos seus bens, ou só moralmente lesada. Lesada e lograda. A adesão que lhe concedera meses antes foi pouco a pouco esmorecendo, e hoje bem poucos serão os que ainda lhe são amparo.
Não que tenham aderido a outro Movimento, mas simplesmente desinteressados, desiludidos.
Por isso, o MPLA entrou na altura própria. Não terá certamente muitas novas adesões, mas encontrará maior receptividade, ainda que passiva; o que já é muito.

Sem considerações de ordem política, o povo aceitará de dois males o menor. Pelo menos por enquanto.