Lobito 28 Fevereiro de 1976 (II)



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Sempre reprovei o uso de nomes de pessoas para a toponímia dos lugares. Primeiro, porque a alteração do nome da localidade ou rua ocasiona sempre contratempos, e até despesas, para quem vive nesses locais; segundo, porque me parece desprezível forma de bajulação (se é que há bajulação que não seja desprezível), mormente quando se trata de adular pessoas vivas que ainda ocupam seus altos cargos (como é frequente). Todavia, transijo (e aplaudo) com nomes de figuras do passado tornadas grandes pelos seus feitos em prol da humanidade, da ciência ou da cultura. Nunca por motivo político.
E desgraçadamente a última hipótese tem sido a mais corrente.
É até característica dos Estados totalitários - lisonjear quem está no mando, pois não se teme oposição. Acontece na URSS (Leninegrado, Estalinegrado, etc), aconteceu em Portugal (cidade de Carmona, de Salazar em Angola)

Ás vezes o baptismo tem a duração das rosas de Malherbe, mas... marcou-se uma posição, que foi o que mais importou.
O povo, que é o principal utente desses topónimos, reage sempre e só relutante e lentamente os vai assimilando.
A pecha, já velha em Portugal, tem sido ali usada com  moderação, não passando as alterações dos chamadoiros de ruas, praças e obras de arte.

Mas o Ultramar, onde tudo se encontrava por fazer, constituiu amplo campo por onde se escoou, fecundamente, a tara dos lisonjeantes (e lisonjeados) a pretexto de se erguerem padrões de lusitanidade.
E assim (sem sequência cronológica) a cidade de Uíge volveu em Carmona. Dalatando em Salazar, Saurino em Henrique de Carvalho, Camacupa em General Machado, Ganda em Mariano Machado, Bailundo em Teixeira da Silva, Dilolo em Teixeira de Sousa, e muitas outras cidades e vilas sofreram igual sorte.
E as ruas e as avenidas, praças e largos, pontes e barragens, é um nunca acabar de nomes que, muitas vezes, ninguém conheceu.
Alguns Governadores Gerais também. E as mulheres dos Governadores e dos Ministros, quase sempre sem outro atributo que não fosse a qualidade de esposa (virtuosa esposa, como era de uso dizer-se). A estas, como criaturas mais delicadas (que me desculpem as sufragistas), calhava o patrocínio de instituíçoes a condizer - dispensários, creches, maternidades. Tudo muito perfeito.

Claro que estes "rebàtismos" de raiz política, quer de nomes quer de datas, duram enquanto essa política é glorificada; na sua reviravolta, tudo regressa ao passado ou a outras formas toponímicas a assinalar a nova era.

Vem isto a propósito do que está a acontecer em Angola. Com a descolonização, os Movimentos procuram apagar (principalmente a UNITA) tudo o que lhes possa recordar a dominação portuguesa. Até certo ponto, certo.
Mas o entusiasmo leva-os a exageros chauvinistas. Mudaram nome de ruas e apearam (ou destruíram) estátuas de antigas figuras portuguesas, algumas das quais até lutaram por exclusivo interesse de Angola onde deixaram obra imorredoura.
Ia neste ponto quando veio noticia de ir ser aberta (ou inaugurada) uma escola, próximo de Luanda, a que vai ser dado o nome de "Fidel Castro". Não ponho em dúvida a justiça da homenagem a quem tanto se tem esforçado pela causa marxista em Angola; reprovo é a natureza dessa homenagem.