Lobito 14 Julho 1976

Afinal o Presidente confirmou a sentença e os condenados foram logo executados no passado dia 10. Parece que se alegou que o Tribunal julgou "exaequo et bono" e, consequentemente, o Presidente não funcionou como instância de recurso, competindo-lhe apenas confirmar ou vetar a sentença.

Certo. Mas isso, conforme vejo, não o impedia de comutar penas: primeiro, confirmaria a sentença, por achar as penas justas e bem aplicadas; depois, atendendo e considerando razões humanitárias, políticas e outras não jurídicas, comutaria, se quisesse, as penas capitais. Deste modo a sentença não seria alterada, já que não teria poderes para tanto, mas usaria de posteriores poderes de magnanimidade comutando, ou até perdoando por hipótese, a execução da pena. Assim, não haveria modificação da sentença, antes alteração na sua execução. O seu acto não feriria a sentença pois dirigir-se-ia apenas à execução da pena.
Mas tal não aconteceu, e os réus condenados foram executados, o que causou geral contestação e parece ter provocado certa reacção mundial.

Àparte razões políticas, pois que todo o processo teria corrido nesse ambiente, não será alheio a esta atitude o facto de ser constante a preocupação dos novos governantes afirmarem-se plenos de autoridade como representantes de um país soberano. Essa e outras atitudes de idêntica natureza de exercício do poder e evidenciam exibições de força a encobrir fraquezas.

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Gradualmente tem vindo a baixar o preço da vida humana em Angola. Suponho que nunca a cotação esteve tão de rastos. Por isto ou por aquilo, ou até por nada, suprime-se uma vida.
São raros, porém, os factos confirmados que chegam ao meu conhecimento, mas muitas noites ouço tiros, isolados ou rajadas, para os lados dos morros. E, de vez em quando, lá vem um caso concreto a confirmar a suspeita.

Em regra o motivo é fútil: resistência a pilhagem e roubo ou desobediência a ordens arbitrárias.
No Luso, onde os brancos já se contam pelos dedos (possivelmente de uma só mão), um mecânico do CFB foi abatido friamente por ter reagido (apenas por palavras) a que soldados FAPLA lhe pilhassem o automóvel. No Lobito, há dias, um carpinteiro também da mesma Companhia foi encontrado morto com dois tiros na cabeça dentro do seu carrito, junto ao cemitério; tinha jantado com amigos na véspera, e recolhia a casa. Presume-se roubo. Ignoram-se os autores, mas ninguém se importa em sabe-lo.

Em Luanda, no dia 10 (dia da execução dos mercenários), foi abatido a tiro o Conselheiro da Embaixada Romena, junto ao quartel de Grafanil, na ocasião em que se procedia ao arrear da bandeira.
Não se conhecem ainda pormenores mas supõe-se que a vitima iria a passar no seu carro e, por ignorância ou distracção, não teria parado e prestado homenagem à cerimónia que então decorria.
Os militantes de qualquer dos Movimentos são muito ciosos destes cerimoniais, aos quais entregam todo o seu ardor patriótico. Para eles a cerimónia de hastear bandeira representa um ritual sagrado que levam aos últimos exageros, sendo absolutamente intolerável qualquer desobediência.





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