Lobito 24 Fevereiro de 1976

Portugal reconheceu, finalmente, o MPLA como Governo legal de Angola, após reunião do Conselho da Revolução no passado sábado, dia 21, segundo noticiaram as emissoras.
Aqui, longe e isolado, não sei o que mais se terá passado, mas a "Voz da Alemanha" informou, ontem à noite, que os responsáveis do PPD (Partido Popular Democrático) teriam declarado que, se vencessem as próximas eleições de Abril iriam rever esta deliberação. E, de acordo com o que consta, parece que este partido será o que, actualmente, maiores probabilidades terá de vencer.
De qualquer modo, aquela deliberação do Conselho poderá muito bem ser causa importantes acontecimentos na ebuliente política portuguesa.
Opinam também as emissoras que os países ocidentais reconheceram apressadamente o MPLA para evitar que este caia ainda mais na esfera soviética, dando.lhe assim oportunidade de estabelecer relações com países de economia mais vantajosa. Poderá ser, mas suspeito que este fundamento não passa de expediente de última hora para salvar as aparências de anterior inércia.

                                                                         

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Faz hoje duas semanas que o MPLA reentrou no Lobito. Àparte as perseguições antes relatadas, neste aspecto pouco mais tem acontecido de relevo.
No aspecto económico não sei se já foram tomadas algumas providências mas, se o foram, ainda não deram frutos que se vissem. Também será cedo.
Contudo, há mais facilidades de vida; o restabelecimento de comunicações com outras áreas do país veio permitir um melhor (embora pouco, por enquanto) abastecimento da cidade. Já há pão, ainda que insuficiente; já há gasolina, embora com fornecimento limitado.
Mas no campo militar é que a mutação é sensível. Em duas semanas, o Lobito foi inundado de soldados e material de guerra.
Soldados do MPLA, poucos ou nenhuns além dos chegados no primeiro dia; mas muitos cubanos, cuja quantidade não se pode facilmente avaliar porque se espalharam por várias aboletamentos. Instalaram um quartel-general (ou equivalente) no amplo e moderno edifício da Capitania do porto.
Neste espaço de tempo aportaram ao Lobito oito navios cubanos ( ou sob bandeira panamiana), alguns com soldados e todos com material de guerra, designadamente tanques e viaturas militares de diversos tipos. Percebe-se que terão escolhido o Lobito para forte base militar, pois têm montado em vários pontos aparatoso dispositivo de artilharia de costa e anti-aérea.
Os tanques e viaturas seguem, na maior parte, rumo ao Sul, logo que desembarcados; as ruas da cidade já apresentam o asfalto triturado e esburacado pelas lagartas dos tanques. Paralelamente, anunciou-se há dias a nova lei de recrutamento militar, que abrange homens e mulheres dos 18 aos 35 anos, tendo o serviço militar obrigatório a duração mínima de 24 meses.

Como o país está praticamente dominado, estes preparativos bélicos e crescente apetrechamento fazem supor que se concerta grande ofensiva contra forças não angolanas, provavelmente sulafricanas que ainda ocuparão território de Angola junto à fronteira Sul.
Há quem afirme que o MPLA (e agora a República Popular) se teria comprometido perante a URSS e Cuba a, em troca da ajuda destes na conquista de Angola (afinal os termos inverteram-se e foi o MPLA quem assumiu o papel ajudante), auxiliar por sua vez aqueles países a "libertarem" o Sudoeste Africano (Namíbia). A hipótese tem certa lógica, mas dúvido que venha a confirmar-se, pois não creio que Cuba (já que a URSS actua encoberta) queira envolver-se em guerra aberta com África do Sul. É que, além do mais, Cuba não tem capacidade militar, mesmo a URSS por detrás, para ombrear com a República Sulafricana.
Contudo, podem complicar muito a questão da Namíbia guerreando por entre as pernas da SWAPO (movimento marxista para emancipação).
Seja como for, os cubanos estão cá. E em força. E tudo aponta em que estão determinados a ficar. Alguns cubanos gostam tanto disto que já falam na possibilidade de mandar vir as famílias. E serão capazes disso, pois o vácuo deixado pelos portugueses de algum modo terá que ser preenchido.
Se assim vier a ser então, mais tarde, a História registará o acontecimento em meia-dúzia de palavras como: "Em 1975 houve uma tentativa de independência de Angola, que fracassou, tendo apenas mudado de colonizador - do português para o cubano".