Cont. (...) 26 Novembro de 1975

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Já estamos com 15 dias de Independência e nada, absolutamente nada, nos revela qualquer modificação da situação anterior. Tudo se processa do mesmo modo que nas semanas que procederam a Independência. Claro está que me refiro aqui à vida política.
Salvo níveis superiores, que esses já desde Janeiro estão em mão de negros, quase toda a máquina administrativa é accionada por antigos funcionários. Não houve praticamente substituições. Houve, sim, preenchimento de algumas vagas por indivíduos de cor para colmatar parte das inúmeras brechas abertas pelo abandono dos branco. Destes, os que ficaram mantêm por enquanto os seus lugares.
Áparte o Corpo de Policia cívica, que foi reorganizado mas fraca acção exerce, não há mais autoridades constituídas. O exercício da autoridade está tacitamente cometido aos comandos militares dos Movimentos e aos "bureaux" políticos. E como não existe ainda uma lei constitucional, vive-se praticamente em regime de estado de sítio.

As liberdades e garantias individuais são apenas as que aqueles comandos arbitrariamente concedem. Não se cuidou, nem ainda se cuida, de formalizar um país independente. Interesse prioritariamente a ocupação militar por cada Movimento e demonstração de força.
 O país vai vivendo com os restos das estruturas da administração portuguesa. Independente há 15 dias, Angola não tem bandeira, não tem hino nem símbolo, não tem moeda própria, não tem valores fiscais e postais próprios. Em quase toda a papelada burocrática figura ainda o timbre da Republica Portuguesa. Mais uma consequência da independência apressada.

Há poucos dias finalmente formado um Governo representativo das áreas dominadas pela FNLA/UNITA. O que a emissora do Huambo anunciou no dia 11, não se tinha confirmado. Só há 5 ou 6 dias é que foi firmado pelos presidentes Holden Roberto e Jonas Savimbi um acordo pelo qual foi proclamada a República Democrática de Angola e promulgado um Acto Constitucional.
Pelos termos deste Acto, a soberania é exercida por um Conselho de Revolução, constituído por 24 membros indicados paritariamente pelos dois Movimentos; formado o Governo presidido por dois Primeiros Ministros, em exercido rotativo; criado um Conselho Nacional de Defesa, com um Estado-Maior unificado, reunindo assim num só exercito as forças de ambos. A capital é Huambo (ex Nova-Lisboa).
Paralelamente persiste em Luanda a Republica Popular de Angola unilateralmente declarada pelo MPLA em 11 de Novembro. Não conheço a estrutura dos seus órgãos de soberania.

Ficou assim, de momento, Angola bipartida: a Republica Popular, com jurisdição sobre a cidade de Luanda e zonas vizinhas, uma bolsa na Lunda (a mil kms) e mais duas ou três bolsas noutras áreas e ainda o enclave de Cabinda; a Republica Democrática, que domina sobre grande parte dos distritos do Norte, e praticamente todo o Sul e Centro do País (à excepção das bolsas referidas). Contudo, grandes espaços há que consideraremos, por enquanto, como "terra de ninguém". Não andaremos longe da realidade de dissermos que a Republica Popular abrange uma área de cerca de 15/20% do território, em constraste com a Republica Democrática que rondará os 80%. Isto com base nas áreas delimitadas pelas actuais frentes de combate.
Não obstante esta patente realidade, houve logo cerca de 20 Estados que se apressaram a reconhecer a legitimidade da Republica Popular; todos da linha moscovita, já se vê. Todos, não. Entre esses Estados, segundo as emissoras estrangeiras, figuraria o Brasil, que não me parece perfilhar aquela corrente. Este facto surpreendeu bastante os meios locais e o mesmo deverá ter acontecido no exterior. O acontecido, se verdadeiro (e o Itamarati parece que ainda não desmentiu), não me admiraria se procedesse de novel país africano, aprendiz de diplomacia, que não do Brasil.

Todos os restantes países aguardam prudentemente o desenrolar dos acontecimentos para então se pronunciarem. Mesmo os que, mais ou menos abertamente, têm apoiado e até ajudado a Republica Popular.