Lobito 8 de Setembro 1975

Vejamos agora, sucintamente, como tem funcionado o Governo de Transição constituído em 31 de Janeiro, e em execução do Acordo de Alvor. Houve a preocupação de dar representação, tanto quanto possível igualitária, aos três Movimentos. A presidência seria exercida por um Colégio Presidencial constituído por 3 Primeiros Ministros, um de cada Movimento, que funcionavam por rotação mensal; cada Ministério inclui também os três Movimentos nos lugares de Ministro e dois Secretários de Estado.
Tudo muito bem...em teoria.Mas logo na prática, se mostrou ineficaz porque, salvo raras excepções, cada Ministro punha sempre o favor do seu Movimento acima da unidade governamental, não falando já na impreparação e imaturidade da maioria deles.

E assim, só os serviços de rotina puderam continuar a funcionar por impulso dos respectivos funcionários (ainda na maioria portugueses).

Os ministros gastavam o tempo em intermináveis sessões de Conselho de Ministros, onde se cuidava de tudo menos dos interesses nacionais; cada proposta de adaptação de estruturas, de providencias económicas, administrativas ou outras era, por via de regra, vetada pelos Movimentos contrários; interessava mais discutir assuntos pessoais e partidários.

Mas isso não impediu que cada um, na esfera do seu Ministério, se rodeasse de impressionante "estado maior" onde colocou os homens de sua confiança que não de competência. Cada um era Rei no seu pelouro. Mas havia que ganhar popularidade e , do mesmo passo, gozar os privilégios do cargo. Por isso rompeu febril actividade de viagens por todo o território.
Todos os fins de semana largavam de Luanda aviões com ministros e respectivos séquitos em visita aos distritos do país. E não só ministros mas também secretários de Estado em viagens independentes daqueles.

Designavam-se "visitas de trabalho" mas, que se visse, delas pouco nada resultava para além de discursos de (quase sempre) medíocre oratória e recolha de homenagens das submissas populações, de que se mostravam tão ávidos.

Os mais responsáveis e conscientes, face ao destino, viram-se na necessidade de, em Conselho de Ministros, proibir essas deslocações sem autorização prévia daquele Conselho, até porque os "viajantes", fazendo abonados levantamentos para despesas de viagem, esqueciam-se...de prestar contas!

Já então se murmurava que grossas fatias de dinheiros do Estado eram absorvidas pelos gastos pessoais (visíveis) dos ministros, ou com destino desconhecido (invisíveis).

Um ministro (da Saúde) terá levantado 100 mil contos de uma assentada para socorro aos repatriados (nessa altura estavam a regressar a Angola populações que tinam fugido para o Zaire), mas não consegui dar contas desse dinheiro, salvo 8 mil contos que enviou para os repatriados de Saurimo; do restante, parte (10 mil) foi apreendido numa maleta no aeroporto, por elementos de outro Movimento, mas que igualmente levou sumiço. Nunca mais de soube, pelo menos o público não soube, do remanescente de 82 mil contos...

Outro ministro mandou construir para si, em Luanda, uma moradia com piscina de água quente e outras sumptuosidades, cujo custo, antes de concluída, ia já em 48 contos por metro quadrado (o preço de construção normal orça por 2 a 3 contos por metro quadrado).
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E tudo isto, e o mais que não tenham chegado ao meu conhecimento, é em nome e defesa do povo independente.