Lobito 10 Dezembro de 1975

Savimbi fez ontem longo discurso num comício qualquer, no Huambo. Começou por dizer que, por obrigação, falaria primeiro em portugueses. Normalmente pronuncia a sua oratória em duas línguas - português e umbundo. Uma vezes dá primazia ao português, outras fala em umbundo em primeiro lugar. Para auditórios especiais já tem falado em apenas uma das línguas.

Abre-se aqui um parêntese para esclarecer que, enquanto o português é efetivamente uma língua falada em todo o território de Angola, ainda que muitos negros do interior a não saibam soletrar bem, o umbundo não é propriamente um idioma, antes um mero dialecto bântu que predomina no centro de Angola, desde o litoral até ao planalto central (Huambo/Bié).
Fora desta área é uma língua quase incompreendida, já que os dialectos limítrofes são diferentes. O desenvolvimento económico do país acentuou a deslocação das populações na busca de mais favorável mercado de trabalho, e hoje, na citada área, há muitos negros de outras origens que não compreendem, ou compreendem mal, umbundo. Para esses o português é a língua comum, como de resto só esta língua é que aglutina Angola como nação. Angola nunca foi propriamente uma nação; não passou de unidade geográfica realizada por Portugal, como grande parte dos novos países africanos saídos dos antigos impérios coloniais europeus. Será, sim, um país, mas não uma nação.

A língua foi o primeiro (e mais importante) elemento unificador, normente nos territórios sob bandeira portuguesa, já por se firmar num contacto mais duradouro, longo de séculos, já por notório pendor miscigenético da gente lusitana. Mas, ainda importante, a língua será de pouca valia enquanto desacompanhada de outros elementos (raça, religião, usos e costumes) que identifiquem os interesses comuns de uma nação.

Vinha este desvio a propósito do discurso de Savimbi.

Savimbi fala umbundo por estratégica política, para melhor se igualar com o auditório, com as massas populares, como um dos seus, que não para melhor para se fazer compreender. Pelo contrário, e na generalidade, a maioria dos que escutam assimila melhor as ideias em língua portuguesa. É que, ao invés do português, que é uma fala fabulosamente expressional, o umbundo é uma língua pobre, um linguajar que dispõe de um vocabulário pouco mais que doméstico.
Daí a dificuldade de o orador comunicar naquele dialecto, sobretudo quando o tema ultrapassa a linguagem do dia-a-dia local.
Ora, apregoando-se a UNITA como partido nacional (...para a libertação total de Angola), parece que o seu chefe, seu guia, deveria esforçar-se por falar numa língua comum que favorecesse a unidade do país, e por contrariar tudo que pudesse dividi-la, como é o caso da linguagem. Mas não tem acontecido assim, pelo que será licito concluir que, por sobre o interesse nacional, paira a preocupação de hegemonia tribal, de mistura com certa dose de chauvinismo.
Sem dúvida que é pueril o anseio, mas impressiona a populaçao, objectivo imediato.

Podem apear estátuas, podem elaborar novos e convenientes textos didácticos para as escolas, podem proibir o ensino da História e até da Geografia de Portugal, podem assacar os seus inêxitos e fracassos à dominação portuguesa, mas não podem arassar as cidades que os portugueses edificaram, as industrias que eles instalaram, não podem, não podem extinguir a cultura e o sentimento de lusitanidade que, em cinco séculos, se sedimentou na alma do seu povo.