Lobito 23 Janeiro de 1976

Decorre uma fase de intensa expectativa.

NO PALCO - As forças cubanas do MPLA têm mostrado certa actividade na sua frente Sul, contactando em alguns pontos com as tropas da UNITA e Sulafricanas; não se conhecem os resultados mas, a acreditar no "diz-se", terão feito alguns avanços nas zonas de Cela e do Seles em direcção, respectivamente, a Huambo e Novo Redondo. Fala-se que tais êxitos se devem a manifesta superioridade em homens e, sobretudo, em material. O contingente Sulafricano estacionado no Lobito (base fixa), bem como a guarnição de Novo Redondo, retiraram abruptamente na madrugada de ontem em direcção ao Sul. Ignora-se a razão desta manobra já que não foram derrotados.

NOS BASTIDORES - O chefe da diplomacia Norteamericana H. Kissinger foi bruscamente a Moscovo avistar-se com Brejnev, tendo ontem regressado. Embora se tivesse anunciado que o motivo era a limitação de armas estratégicas, esta razão não justificava tanta urgência. O verdadeiro motivo teria sido a questão de Angola. E é sintomática a coincidência de, logo após, as tropas Sulafricanas terem retirado sem razão plausível.

A situação económica-social das terras sob a égide da UNITA cada vez mais se degrada. De uma banda são as cúpulas a aconselhar moderação, disciplina, trabalho; de outra são as estruturas de base a actuar com prepotência, desordem, perseguições, roubos e apropriações.
E aquelas cúpulas continuam a pregar moderação, fazendo por ignorar a realidade, como se tudo se passasse no melhor dos mundos.
Tive noticia de que, em Sá da Bandeira, quando há dias a UNITA se assenhoreou da cidade, abriu as portas à turba que não tardou a proceder a cuidadosa "limpeza" de todos os estabelecimentos do centro comercial.
É mais que evidente que a UNITA se mostra literalmente incapaz de governar sequer uma freguesia. Não tem homens com idoneidade intelectual e técnica e escorraçou os que lhe poderiam dar ajuda. E porque assim, acolheu e promoveu toda a casta de indivíduos de moral duvidosa, ou com sádicas ou ímpetos de vindicta.
Os comandos locais andam agora atentos a verificar se todas as pessoas (homens e mulheres, brancos e pretos) possuem Cartão da UNITA. Ainda não consegui apurar se esse Cartão é filiação política ou tão só de identificação ou de livre trânsito. Na última hipótese aceita-se a exigência, posto que seria dispensável a quem possuísse Bilhete de Identidade; na primeira hipótese será uma prepotencia sem nome que o mais rígido regime totalitário jamais ousou atingir.
E afinal qual o interesse prático de compelir a filiação ? Só vejo um: poder amanhã apregoar, enganosamente, que é o Movimento com maior representatividade da população.
A realidade é esta: quem ao deslocar-se, for interceptado por uma patrulha, se não exibir o Cartão da UNITA,pode ser detido. Esta operação está agora no começo e altos comandos já publicamente esclareceram que a medida não será extensiva aos estrangeiros. Contudo, os executores parece que não se importam com tal restrição e entendem generalizar a exigência. Seria realmente lamentável - coagitarão eles - que se desprezasse mais uma excelente oportunidade para humilhar o "branco colonialista".

Um episódio a ilustrar:
Como o Movimento se investiu de poderes de soberania, mesmo os judiciais, há dias um engenheiro de importante empresa fabril, agora em funções de director, foi convocado para comparecer na Secção de Justiça da UNITA a fim de regularizar um acidente de trabalho ocorrido na sua fábrica. Apresentado, e para conferir mais sabor, passo a reproduzir o diálogo, com a possível fidelidade, como me foi contado:
   - O seu Cartão da UNITA - pediu o graduado sentado atrás de uma secretária.
   - Não tenho. Mas se é para efeito de Identificação tenho o Bilhete de Identidade e a Carta de Condução.
   - Não é a mesma coisa - corta o funcionário elevando mais a voz. O senhor não sabe que todos devem possuir o Cartão da UNITA ? São instruções dos nossos superiores, e já alguns compatriotas estão detidos por não apresentar o Cartão. Não vamos agora fazer exepção para os brancos.
   - Desculpe,... mas eu sou estrangeiro - riposta o engenheiro - sou português; e como tal, não devo intrometer-me na política interna de Angola.
   - Há quanto tempo reside em Angola ? - pergunta o funcionário.
   - Há cerca de 17 anos.
   - Então deve tirar o Cartão. Dentro em breve vão ser feitas rusgas para verificar quem possui cartão - informa - e quero ver como se vai desenrascar. A propósito - acrescenta - sabe falar umbundo?
   - Não sei, porque nunca tive necessidade de o falar.
   - Ora aí está! - vocifera o funcionário. Há 17 anos em Angola e ainda não aprendeu o umbundo! Porquê ? É língua de macacos ?
O engenheiro calou.
   - São uns colonialistas... são todos colonialistas - concluiu. E passou a tratar do assunto do chamamento, cumprido, como foi, o preâmbulo para vincar a posição de subalternidade de engenheiro branco.

Que não haja dúvidas.