Lobito 12 Janeiro de 1976


No último apontamento apreciei a situação público-administrativa das duas Repúblicas de Angola. Calha agora tecer alguns comentários sobre a situação económica, e perspectivas de vida, dos territórios sobre a égide da República Democrática (UNITA/FNLA), já que o Governo de Luanda (MPLA) pouco ou nada se sabe em pormenor.

A par da situação político-administrativa já descrita, não dispõe a República Democrática de meios para vencer, ou sequer suster, a derrocada económica em marcha. As carências alimentares são dia a dia mais incisivas, sendo já imparável o aumento do custo de vida que o açambarcamento e a especulação mais agravam. Em menos de dois anos, a inflação disparou para cerca de 340%, apenas sobre artigos de consumo diário.

Não será difícil apontar as razões da carência e decorrente subida dos custos:

PRODUTOS DE IMPORTAÇÃO - Desde há muito que, praticamente, nada se importa, nem parece que tão cedo isso possa vir a acontecer porque os meios de pagamento ficaram em Luanda e a República Democrática não tem divisas do exterior.

PRODUÇÃO LOCAL - A produção local diminuiu considerávelmente, mesmo de produtos da terra. O produtor nativo desinteressou-se de cultivar a terra para além do necessário á auto-subsistência, já porque lhe incutiram, enganosamente, a ideia de que após a independência não seria necessário trabalhar, já ainda porque corria o risco de o produto da sua lavra lhe ser esbulhado pelas tropas dos Movimentos, como tem acontecido. Com o produtor branco ocorre a situação semelhante: o agricultor do Vale do Cavaco (dos poucos que ainda restam ) deixou de amanhar a terra com frescos que tradicionalmente abasteciam a zona Lobito/Benguela; por um lado, porque as colheitas lhe eram arrebatadas com armas na mão pelos soldados com alegação de que tudo o que se produzia pertencia ao povo; por outro lado, porque não lhe forneciam combustível para alimentar os motores de rega.

CARÊNCIA DE COMBUSTÍVEIS - Esta, por si só, já justificaria a falta de alimentos pela dificuldade de transporte de produtos das áreas de produção para os locais de consumo.
Em vista de tudo isto, a situação está a tornar-se dramática.
Não há pão desde há perto de 15 dias. As moagens situam-se em Silva Porto e Sá da Bandeira mas consta-me que não têm grão para moer. Contudo, garantiaram-me que nos silos do porto do Lobito, existem cerca de 12 toneladas de trigo em grão. Razão: falta de combustível para transporte.
Esta falta paralisa tudo - transportes, indústria, agricultura e até a vida doméstica.
As reservas de petróleo no Lobito estão quase esgotadas, e o Delegado da UNITA (que é quem tudo manda) congelou a parca existência, concedendo algumas quantidades a quem bem lhe parece sem obediência a qualquer plano de prioridades. Naturalmente que para as forças armadas não há restrições, para estas e... para amigos que precisam de tirar proveito dos veículos apropriados. O trânsito já quase nulo porque os carros vão encostando por falta de combustível. Os carros roubados também vão diminuindo mas por outra razão: conduzidos por inexperientes vão-se inutilizando por falta de assistência ou por acidentes. Numa recente ida a Benguela (a 30 kms) contei 13 carros inutilizados à margem da estrada.

SITUAÇÃO FINANCEIRA - Uma economia descontrolada, desordenada e quase destroçada teve o seu imediato e natural reflexo na finança.
As receitas públicas diminuem a olhos vistos, quer as oriundas de impostos indirectos pela paralisação do mercado, quer a dos impostos directos pela abalada dos maiores contribuintes e pela fuga ao pagamento dos que ficaram em consequência da desarticulação fiscal. O Estado (?), melhor, o Movimento dominante, tem cada vez menos dinheiro para enfrentar despesas de rotina; e procura suprir as carências apoderando-se das reservas bancárias sem preocupação de formalidades. Os bancos têm os cofres vazios; domina o entesouramento privado, o que mais veio rarefazer a circulação monetária.
Foram lançadas na circulação notas novas que aguardavam oportunidade de substituir outras antigas, mas estas continuaram no giro; e até foram repostas a circular emissões já retiradas por velhice e inutilizadas com furos.
Os indivíduos que tomaram as rédeas da governação (local) parece que finalmente se aperceberam desta trágica situação, mas duvido que tentem procurar-lhe remédio sensato.
Um recente acontecimento tal me deixa supor.
É o caso que, jogando com a "fome" de combustíveis e necessitando de mais dinheiro no Banco para o poder sacar, o Delegado da UNITA emitiu um Comunicado pela Rádio a convidar a população a fazer novamente depósitos no Banco de Angola para, com esse dinheiro, mandar vir ao Lobito um navio petroleiro com os ambicionados combustíveis.
Claro que não esclareceu como, com mero papel-moeda, irá obter divisas para o pagamento. Ignorância, ou... má fé ? O certo é que alguns menos elucidados terão ocorrido a depositar ao Banco as suas poupanças, que era afinal o que se pretendia.
Depois, depois o petroleiro não viria, mas já teria engatilhados meia dúzia de argumentos para justificar a demora.