Lobtio 4 Março de 1976

Fui à dias a Luanda, terra que não visitava há uns nove meses. Ida pela volta, que o serviço que me levou lá não tinha demora. Nesta curta detença não pude avaliar em profundeza a situação da cidade mas, pelo pouco que vi, fiquei com desoladora impressão.
O trânsito nas ruas baixou para menos da quinta parte do que era há um ano, tanto em viaturas quanto em peões. No centro, menos brancos em movimento do que no Lobito; se há mais (e há mais concerteza) estariam recolhidos.

Adergou tomar um elevador à hora de saída dos empregos. Servia um alto edifício de escritórios e, dos três existentes, só aquele (ainda) funcionava. Rapidamente se encheu em alguns andares. Da lotação de 18 pessoas, só eu e outro eram brancos; os restantes, pretos e alguns mulatos. Embora a amostragem seja pequena, dela pode, contudo, inferir-se quão poucos brancos já ali trabalham.
Nas ruas, como disse, muito pouca circulação; quase todo o comércio encerrado. No hotel onde me hospedei, antes atendido por pessoal branco, o serviço era agora prestado exclusivamente por pretos: na recepção, nos quartos, na sala de jantar, no bar. Mas, ainda menos eficientes, diga-se que faziam os possíveis por cumprir. Uma inovação: o serviço de mesa era em regime de meio "self-servise"; talvez por redução de pessoal, talvez por começo de eliminação de profissões consideradas no Leste europeu como subservientes.
O jantar (e o hotel era dos melhores) refletia a carência alimentar que já se vivia na cidade; em vez do anterior serviço "a la carte", uma única composição: sopa engrossada com farinha, um prato com duas sardinhas assadas guarnecidas com duas finas rodelas de batata, uma fatia de doce. Soube depois que a batata era um luxo quase inatíngivel; um amigo que ali vivia revelou-me que, desde há muitos meses, só comia peixe frito com arroz.
Depois do jantar (cerca das 9 horas da noite) dei uma volta a pé pelas imediações.
Raríssimos transeuntes. Silêncios de cidade morta. Numa avenida principal (dos Restauradores), teatro fechado, esplanadas fechadas; até a iluminação pública parecia mais silênciosa, como círios velando cadáveres; a contrastar, um pouco de alacridade muda dos anúncios luminosos (que ainda funcionam) em pregão póstumo do que já não existe.
E assim se me afigurou a actual capital de Angola.

No aeroporto um pouco melhor: aviões de transportes russos, "Migs" em repouso; viaturas com soldados cubanos cruzando as pistas agora pouco movimentadas. Nas entre-pistas, altos taludes de terra em forma de U para abrigo de aviões militares.
Contou-me um indivíduo que viveu em Luanda os meses cruciais do MPLA (de quem aliás é adepto), que, por duas vezes, este Movimento esteve prestes a sucumbir.
Da primeira, em Novembro, quando a FNLA esteve às portas de Luanda e tinha a cidade praticamente cercada; comandava as forças atacantes o ex-tenente-coronel do Exército português Santos e Castro. A defesa da cidade estava batida e desorganizada, e Santos e Castro preparava-se para rematar a luta com uma entrada vitoriosa à frente de suas tropas.
Porém, Holden Roberto, presidente do Movimento e Comandante em Chefe (virtual) das suas forças armadas não lho consentiu; mandou suspender o avanço para ser ele próprio (Holden) quem faria a entrada triunfal.
A demora foi-lhe fatal. Entretanto as forças do MPLA reorganizaram-se. Holden Roberto já não conseguiu avançar e teve que se contentar com o sonho do papel de herói. Assim me foi narrado.
O certo é que Santos e Castro foi logo demitido (ou demitiu-se) das funções de comando e, a partir daí, não mais a FNLA teve a iniciativa das operações.
A segunda vez ocorreu cerca do fim do ano, quando as tropas sulafricanas suspenderam voluntariamente o avanço sobre Luanda. Esses dias de paragem viraram o curso à história.

Luanda estaria, então, à mercê dos invasores que dispunham de notória superioridade de homens e material. O MPLA não deixou fugir a oportunidade.
Nesses dias estabeleceu-se intensa ponte aérea que, dia e noite, despejou em Luanda, oriundas de Cuba, maciças quantidades de soldados e armas com que, dias depois, abriu o ataque em direcção ao Norte.

Terá sido o começo do fim da FNLA e da UNITA.