Lobito 5 Abril 1976

São decorridos quase dois meses sobre a ocupação do Lobito pelo MPLA, e continua a não se verem providências sérias para a melhoria da economia.

Mercê de mais amplas comunicações já há pão e vai havendo, de vez em quando, alguma gasolina. E é tudo.

As carências alimentares não são já mera preocupação, antes lancinante angústia. Prospera a especulação desenfreada. E como se este quadro não fora suficientemente negro, vêm piora-lo os salários em atraso e o desemprego.

Por Luanda parece que as coisas também não correm de feição. Fala-se em sérias dissidências no seio do MPLA e vaticina-se iminente desmembramento do partido. E para começo, ocorreu há dias um atentado contra o automóvel do Presidente Agostinho Neto, que foi destruído e morto o motorista; um cubano da sua guarda foi amarrado a uma árvore; Agostinho Neto, para fortuna sua, não seguia no carro. Ninguém avocou a autoria, mas supõe-se ter sido executado por qualquer das facções do próprio partido.

Toma vulto a facção de Nito Alves (actual ministro do Interior), conhecida como a facção mais radical, não no sentido político, que talvez nem seja, mas em intransigência racista. Este cacique, já revelado por acções hostis aos brancos, reacendeu recentemente a campanha opondo-se intolerantemente ao regresso dos brancos ausentes. Segundo parece, será uma espécie de nazista negro: a sua intransigência não admite sequer que o seu presidente (e da República) seja casado com mulher branca.

Nito Alves deve ser actualmente o principal mentor do Poder Popular, de onde aliás recebe o maior apoio. Tem-se como assente que a ele se imputa o desencadear da guerra entre os Movimentos.

Quando (em Julho?) se reuniram os chefes dos Três Movimentos em Nakuru e se comprometeram a coexistência pacifica, Nito Alves ter-se-ia oposto até ao último momento à comparticipação do MPLA nessa Conferência (e nisto estará certamente a explicação de a sua Delegação ter chegado com um dia de atraso). Ora se se opôs, ainda menos terá concordado com o resultado da conferencia, pois volvidos apenas alguns dias, desencadeou em Luanda a onda de violência para expulsar, como expulsou, os outros.

E, a partir daí, o MPLA passou a intitular-se como único representante do povo angolano. Mas Agostinho Neto saiu desprestigiado pela manifesta quebra do compromisso em tão curto prazo. Não teria, porém, alternativa perante o facto consumado sem por em risco a sua posição.
Nito Alves é um homem forte do seu Movimento; como antigo e efectivo combatente será, no grupo da chefia, o que mais fortes e directos contactos têm com as forças armadas (FAPLA) e a quem elas mais obedeçam.

Como acontece em todas as revoluções marxistas, o impulso inicial escora-se no Poder Popular, mediante concessão das mais amplas liberdades e promessas de mundos e fundos. Depois, quando o partido alcança consolidação, e à medida que obtém, vai refreando os ímpetos do dito Poder e acaba por açaimá-lo, dele não ficando mais que o nome.

Em Luanda julgo que o Poder Popular já cumpriu a sua época. Entrou-se na fase da sua estruturação e disciplina, que o mesmo será dizer que começa a encaminhar-se para o redil o gado tresmalhado. Tanto mais que, como a larguesa foi grande, há indícios de resistência à apertadela do cerco.





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