Lobito 28 Dezembro de 1975

Já foi dito que, após a reconquista ao MPLA, o Lobito ficou ocupado pelos outros dois Movimentos. Por outro lado, funcionava em Huambo um Governo Provisório de coligação e até, pelo seu Acto Constitucional, as forças destes dois Movimentos foram unificadas com o mesmo Estado-Maior. Estaria, assim, estruturada a coexistência da FNLA e da UNITA em qualquer ponto onde ambos se encontrassem.
Mas, como já é costumeiro, estes acordos aconteceram no papel apenas, pois na prática as coisa continuaram à mercê das conveniências de cada um. O principio de direito internacional de que " pacta sunt servanda" é desconhecido por estas paragens.

Destarte, e pelo toca ao Lobito, a UNITA parece não ter respeitado o espírito que enformou o Acto Constitucional e mesmo a razão de ser do Governo que daí resultou.

Conquistada que foi a cidade por forças sul-africanas e da FNLA, a UNITA (que chegou um dia depois) tratou logo de ocupar e guarnecer os pontos vitais. E até aqui tudo bem; alguém teria que o fazer e, se as forças eram coligadas, indiferente seria se-lo por uns ou por outros, dando mesmo ao olvido facto de a UNITA ter chegado depois de a cidade ter sido tomada. Simplesmente (e aqui começa mal), em vez de essa ocupação se ter realizado em nome comum, foi-o ostensivamente a título da UNITA.
E, para melhor vincar, hasteou a sua bandeira no Palácio do Governo e na Policia Cívica (apartidária); ocupou, em exclusivo, o Rádio Clube cujas emissoras passaram a transmitir apenas em seu beneficio; ocupou as instalações do quartel militar, não consentindo que as outras forças dele se utilizassem.
Pelo menos na aparência, a FNLA não recalcitrou e limitou-se a aceitar a situação, preenchendo os pontos deixados vagos.

Com esta conduta a UNITA quis afirmar-se "dona" da cidade e a FNLA deverá ter-se sentido no papel de "hospede". A UNITA tomou ainda as instalações do antigo Sindicato dos Empregados do Comercio e nelas montou o seu órgão sindical, o SINDACO; nomeou um representante seu director da Exploração do porto; colocou um dos seus na presidência da Câmara Municipal; seu foi também o comissário junto da Direcção Geral do Caminho de Ferro (CFB).

Este programa cumpriu-se em rápida escalada, sem dúvida superiormente orientado e manejado pelo delegado político da UNITA no Lobito, Dr (?) Jorge Alicerces Valentim.
Vale aqui escrever duas linhas sobre esta personagem.
Jorge Valentim foi colocado há mais de um ano como delegado da UNITA no Lobito, aliás parece que sua terra natal. Todos o tratam por doutor e ele próprio assim se intitula, mas até hoje ninguém me soube esclarecer onde se graduou e em quê. Nas suas frequentes mensagens pela Rádio começa sempre: Eu, Doutor Jorge Valentim...", Consta vagamente que teria cursado Ciências Sociais na Suíça, segundo uns, ou na Bélgica, no dizer de outros.
De qualquer modo é, para todos os efeitos (angolanos), doutor e a circunstancia empresta-lhe decidida supremacia sobre a massa popular. é dinâmico e sabe falar às massas na sua própria linguagem, possuindo notáveis dotes de comiceiro. Centraliza em si todas as manifestações de poder, é megalómano ostensivo, portanto arrogante. E não perde azo de o demonstrar, constituindo seu particular deleite fazer esperar duas ou três horas as pessoas que com ele têm necessidade de contactar (mormente se são brancos ou alguma importância social).
É também um tanto demagogo; incita as massas para pretençoes que sabe inviáveis, gerando confusão e anarquia, para depois intervir a solucionar a discórdia e arrecadar os louros de importante e imprescendivel mediador. Um acentuado racismo, ora disfarçado ora confessado, será motor da sua por vezes truculenta conduta que, talvez por inconsciente acestralidade, tende a reviver os privilégios dos antigos sobas.
Embora apenas delegado político, alargou a sua jurisdição às forças armadas da zona, e na poderosa e arbitrária actuação do SINDACO sente-se a sua mão permissiva ou mesmo impulsiva.
Os brancos suportam-no porque não têm alternativa; os pretos reagem à sua maneira, quer adulando-o na mira de benesses, quer abrigando-se noutra bandeira.
E neste ambiente não surpreende que adeptos da FNLA tomassem posição.
Mas a tensão não circunscreveu-se ao Lobito; noutras localidades, por outras ou por razoes semelhantes, rompeu a guerra declarada entre os dois Movimentos, ou antes, entre UNITA e a Facçao Chipenda da FNLA, guerra que foi procedida de preparação psicológica das massas por meio das emissoras da Rádio.

Mais uma vez fica demonstrado que o fim último da "guerra de libertação" não foi a Independência de Angola, antes uma independência como meio da conquista do poder.
O povo, esse ainda não sentiu a indepêndencia que lhe haviam prometido, mas já está a sofrer vivamente uma mais férrea dependência que o conduz à fome, ao abandono social... à miséria.