Lobito 1 Junho 1976

Depois de várias vezes adiado, deve começar dentro de dias em Luanda o julgamento de 13 "mercenários" estrangeiros, feitos prisioneiros quando combatiam nas hostes da FNLA.
Dada a espectacularidade que, de começo, caracterizou o acontecimento, receio bem que o julgamento já esteja feito e o que se vai a seguir poderá ser pouco mais que mera formalização.

Efectivamente, tem-se dado vincado relevo aos actos preparatórios, criando-se para o efeito um Tribunal revolucionário cujo elenco foi largamente difundido pela Informação; convidaram-se entidades estrangeiras para assistir; promoveram-se manifestações populares pelo menos em Luanda e no Lobito, e a Imprensa tem comentado os factos com nítido sentido de preparar o público para uma provável condenação à pena capital.

Como é natural, a imprensa estrangeira encontra-se abundantemente representada, ainda que seja lícito supor que só os correspondentes esquerdistas terão maior liberdade de acção, a avaliar pelo que aconteceu há dias: uma jornalista americana foi expulsa por (alegou-se), tempos atrás, ter viajado em avião da FNLA e mantido contactos com elementos daquele Movimento (em exercício de profissão).

Os réus que vão ser submetidos a julgamento são 9 ingleses, um irlandês, dois americanos e um argentino.
São todos declarados como mercenários (o que será verdade) que vieram combater exclusivamente pelo salário. Homens que (diz-se) por dinheiro, imolaram vidas do povo angolano, "trabalhando" a soldo do imperialismo.
Pede-se para eles a pena de morte. Claro que estes desgraçados não são mais do que o "bode expiatório" de um processo político em marcha.

Não conheço ainda os pormenores do libelo acusatório, mas julgo que o seu crime não envolve qualquer acto pessoal reprovável e apenas se circunscreve a actuação colectiva como elementos de forças armadas. E embora este julgamento possa ser um arremedo do célebre julgamento dos nazis em Nuremberga, é evidente que os fundamentos são inteiramente diferentes. Lá, julgaram-se monstros que consumaram o, ou colaboraram no, maior genocídio da história humana, à margem das leis da guerra; aqui julgam-se soldados (mercenários ou não) que só participaram em acções guerreiras correntes.

Especulações filosóficas podem conduzir à conclusão de que toda a acção bélica será contra a humanidade; mas, nesta hipótese, todos seriam arguidos - réus e julgadores.
Não. A determinante do julgamento não é de natureza moral, é essencialmente de ordem politica.
Em todos os tempos, em todas as latitudes, houve o que hoje se designa por mercenários integrados nas fileiras combatentes e nunca, que eu saiba, se defendeu o merecimento de tratamento diferente do comum dos prisioneiros de guerra. Mercenários eram os das Legiões Estrangeiras espanhola e francesa, no Norte de África; mercenários houve nas guerras mundiais, na guerra civil espanhola, na Coreia, no Vietnam, no Congo ex-Belga, no Biafra; mercenários há provavelmente nas lutas israelo-árabes.

Mercenários são, em Angola, todos os estrangeiros que combateram, e combatem ainda, em qualquer dos Movimentos.
Mercenários são também os que ocorreram em auxilio do MPLA: os guineenses, os checos, os cubanos, os russos, os catangueses.

O MPLA defende que os seus estrangeiros não são mercenários, pois dão a sua ajuda, não pelo salário, mas pela solidariedade dos povos progressistas; por outras palavras, são elementos que cumprem obediência aos governos dos seus países. Não sei o que será mais reprovável. Isto quanto a cubanos e russos. Mas os cantangueses? Os 3 ou 4 mil catangueses que actuam ao lado do MPLA ?
Estes não combateram em nome de uma ideologia, pois não são progressistas: são restos das antigas forças de Moisés Tchombé que, como se sabe, seguia uma linha nitidamente capitalista.





CONTINUA...