Lobito 2 Abril 1976

O Estado tem os cofres exauridos. Parece que até se ouve o exterior da agonia financeira. E, de certo modo, ouve-se mesmo pela boca das suas primeiras vitimas, os funcionários.

Os vencimentos andam atrasados três meses e a situação está a ficar angustiante para aqueles que outros recursos não têm além do seu já magro estipêndio mensal. E não se vislumbra melhoria a curto prazo, pois que igualmente está desorganizada e atrasada a cobrança das receitas do Estado. Contribuições e Impostos que deveriam ter sido pagos em Janeiro, continuam por cobrar porque os respectivos serviços ainda não aprovaram a correspondente liquidação.

E a situação não se apresenta melhor nos Serviços Autónomos e Autarquias locais. O Porto do Lobito, com muito custo, pagou há dias os salários correspondentes à 1ª quinzena de Dezembro; a Câmara Municipal também anda atrasada nos pagamentos, e igualmente atrasada está na cobrança das suas receitas (há oito meses que não recebe a receita pelo abastecimento de água).

Com desenfreada especulação comercial, com o crédito abolido (agora não se efectuam vendas a dinheiro, mesmo entre comerciantes), não será difícil imaginar a situação desta gente; como não será difícil conjecturar o que poderá acontecer se a situação se mantiver ou se agravar.

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Desde o passado dia 23 de Março que com surpresa, se inverteu o movimento das tropas cubanas. Antes, e desde meados de Fevereiro, raro era o dia em que não aportava ao Lobito um navio com mais tropas e mais material bélico, que logo seguia aos seus destinos. Afora o material que seguiu por estrada, havia na estação ferroviária de Nova Lisboa passante de 200 vagões com armas e material diverso por descarregar.

Tudo fazia supor, como julgo já ter dito, que se preparavam acções de grande envergadura, agora não em Angola cujo território se considera praticamente dominado, mas em terras estranhas que não poderiam ser outras senão o Sudoeste Africano (Namíbia ou a Rodésia).
Mas desde aquele dia (23) que se inverteram as operações; as tropas e material, designadamente de transporte e blindados, têm reembarcado em vários navios cubanos. Vamos tentar uma explicação para o facto aparentemente insólito.

Um pouco antes daquele dia houve, em Londres, uma conferência entre Harold Wilson e Callaghan, pela Inglaterra e Andrey Gromiko, pela URSS. A circunstância de o russo se deslocar a Londres e não os ingleses à Moscovo revela já que a reunião se efectuaria no interesse dos soviéticos. Nessa conferência terá sido tratada a questão da permanência da África do Sul em território angolano na zona à volta das barragens de Cuneme.
O que lá se passou e acordou ainda não se sabe, mas no dia 22 (2ª feira) a Rádio África do Sul anunciou que as suas forças militares retirariam do território angolano até ao final da semana (dia 27). E no dia imediato (23) ocorreu o primeiro reembarque de cubanos pelo Porto do Lobito.

Nota curiosa: a pendência era entre Angola e África do Sul, mas quem a discutiu e resolveu foi URSS e o Reino Unido.
Outra Nota mais curiosa e saborosa: os sulafricanos cumpriram o que anunciaram e começaram a retirar; e logo em Luanda o presidente Agostinho Neto,num discurso proferido algures, anunciou despudoradamente que "as gloriosas FAPLA iriam expulsar de Angola os sulafricanos até ao fim de semana". Este "intrépido vaticínio" foi reproduzido várias vezes pela rede de emissoras.

Finda a semana, nova noticia aos quatro ventos: "finalmente as gloriosas FAPLA escorraçaram o inimigo de todo o território"!

E assim se faz, por vezes, a História!





CONTINUA...