Lobito, 23 de Agosto de 1975

Em 31 de Janeiro passado, e em consequência do Acordo de Alvor, constituiu-se um Governo de Transição para administrar o país até à data prevista para a independência (11 de Novembro de 75)
Este Governo sob a presidência de um triunvirato constituído por um representante de cada Movimento, integrava elementos dos três Movimentos em cada ministério.
Como era de esperar (menos pelos aprendizes de feiticeiro que o congeminaram), a breve trecho começaram os desentendimentos no seio do próprio Governo, tentando cada um alcançar privilégios para o Movimento que representava e excedendo-se até na autoridade que lhe competia, em insofrida ânsia de se afirmar no Poder. Choveram então decretos, portarias, despachos e comunicados, no uso e abuso do poder investido, mas que só eram cumpridos na medida das conveniências.
A pouco e pouco o Governo foi-se ressentindo da sua inoperância e total falta de autoridade.
A tudo isto assistiram 600 mil brancos, passivos e impotentes por inteiramente abandonados e ignorados pelo Governo de Portugal. No Acordo de Alvor, Portugal só se constituiu em obrigações , os Movimentos averbaram direitos. Dir-se-ia que o Governo Português foi para a mesa das negociações como um triste e acabrunhado vencido de consciência pesada.
Os 600 mil portugueses brancos e residentes foram simplesmente ignorados, como se nunca tivessem existido. Não podiam contar com o apoio, mesmo moral, a qualquer iniciativa que pretendessem tomar.
E ficaram parados, atordoados numa terra que de súbito se lhes tornou estranha. Mas os que regressaram a Portugal são ali havidos como estrangeiros...na sua terra. Meros apátridas, afinal.
No início do ano, qualquer dos Movimentos tinha um valor militar relativamente pequeno. Pelo que se podia observar, a FNLA teria um efectivo de alguns dígitos militares regularmente armados e instruídos; a UNITA teria muitos mais homens, mas poucas armas e nenhuma instrução guerreira; o MPLA poucos efectivos e poucas armas.
Por isso, começaram logo a faltar ao cumprimento do Acordo de Alvor, não fornecendo os contingentes de homens para constituírem as Forças Integradas, como havia sido acordado. Por isso e certamente também porque não lhes convinha (a cada um) desfalcar os próprios efectivos na mira de eventual e futura actuação directa, como não tardou a acontecer.
Pelo contrário, cada qual distribuiu as forças de que dispunha pelas Delegações e Subdelegações políticas já nessa altura espalhadas por todas as localidades.
Cada delegação passou então a actuar politicamente...apoiada por contingentes armados...E, cônscio da sua força ( a Policia portuguesa era já inoperante) , cada chefe de Delegação virou em Senhor Feudal: requisitava aos Departamentos do Estado e aos particulares tudo o que carecesse, controlava o trabalho nas empresas, exercia funções de justiça...sumária.
Estava-se em pleno período de proselitismo, em cada Movimento procurava ganhar o maior numero de adeptos; e daí a ânsia de demonstrar á massa popular que o seu Movimento era mais forte ( o negro sempre se impressionou e admirou mais a força que as ideias), que o seu Movimento era tão poderoso que não poupava os brancos - conduta a que não era alheio o desejo (até certo ponto compreensível ) de retaliação e, vá lá, de escape a recalcado sentimento de inferioridade.
As autoridades constituídas (portuguesas) primavam pela passividade e os Tribunais viram surgir um sério substituto.
Tal ambiente alargou o caminho para a derrocada económica. Iniciou-se o êxodo de empresários e técnicos; os trabalhadores , fortalecidos por esta conjuntura e habitualmente manobrados por certos elementos demagógicos, tornaram-se arrogantes , reivindicaram sucessivos aumentos de salários numa sofreguidão jamais saciada, em muitos casos excedendo a capacidade económica e financeira das empresas; fizeram repetidas greves selvagens, exigiram menos horas de trabalho, mais regalias acessórias, saneamento de órgãos directivos, etc. - o costumado rosário de reivindicações em que sempre brota em climas de anarquia.
Resultado, também constante em qualquer latitude: diminuição vertical da produção, desemprego, acentuada subida do custo de vida, carência de produtos essenciais, mercado negro.
Durante os meses de Fevereiro e Março, sobretudo, era frequente a chamada de qualquer cidadão à egrégia presença do Delegado de qualquer Movimento para responder sobre queixa que um seu subordinado (mesmo criado domestico) havia formulado contra ele. Havia tendência para considerar logo a queixa como fundamentada e irrefutável e, sem oportunidade de defesa, não raro o cidadão era logo obrigado a pagar logo alio que o subordinado havia exigido além de, por vezes, ser espancado. Esta acção, embora vez por outra incidisse sobre pretos, era mais frequente actuar sobre brancos.