Lobito 17 de Outubro 1975

Na semana passada resumi a actual situação da Industria, dos Transportes, do Comércio e da Saúde. Hoje darei continuidade abordando a Instrução e a Justiça.

Instrução - Até 1961 as possibilidades de instrução eram mais que deficientes; mesmo para brancos. Além de escasso número de escolas primárias que mal chegavam para a população branca, havia apenas dois liceus (em Luanda e Sá da Bandeira); nenhuma escola técnica, nenhuma universidade.
Esta frágil cobertura era em parte reforçada por alguns (poucos) colégios particulares para o ensino secundário e pelas escolas missionarias, principalmente para instrução elementar de indígenas pretos.
O Governo Português parece que sempre receou que maior e mais fácil instrução provocasse desnacionalização da população. Obrigando a que os estudos superiores fossem ministrados na Metrópole, alcançava não só uma selecção por via económica (como convinha a regime paralisante), mas incutia na futura elite intelectual maior apego a Portugal e à unidade nacional. Claro que nem sempre era atingido esse objectivo, pois às vezes resultava ao contrário.
Não obstante tanta ciosidade, descurou inexplicavelmente um ponto capital - a instrução dos nativos pretos, que deixou aos cuidados das Missões Religiosas (católicas, protestantes, mas na sua maioria estrangeiras). E estas (estrangeiras) só por excepção é que pugnavam pelos interesses portugueses; frequentemente insinuavam na criança indígena sentimentos anti-portugueses, até politicamente orientados; não lhes ensinavam (ou mal) a língua portuguesa porque eles próprios, professores, mal a falavam.
Educandos de escolas (missões) alemãs conheci noutros tempos que, além do próprio dialecto, tinham aprendido a língua germânica e quase nada de português.
Sendo os dialectos bandos falas agráficas, seria lógico que procurasse dar-lhes ortografia portuguesa, difundindo a sua escrita em paralelo com a língua nacional. Nada se fez, porém. Deixou-se isso à atenção das Missões, as quais não deixavam fugir a oportunidade de grafar as línguas indígenas segundo o alfabeto e fonética da sua nacionalidade.
Assim é corrente a língua indígena escrita utilizar o K e o W, por vezes o Y (letras que não constam no alfabeto português); terminar os nomes masculinos em U, quando em português se usa O (embora com som fechado).
O Governo português nunca terá prestado atenção a este assunto porque ambiciosamente, olhava para mais alto: abafar os dialectos nativos pelo império único da língua portuguesa. Mas os missionários estrangeiros souberam aproveitar.
Ora os jovens saídos de tais Missões, naturalmente desnacionalizados e sem dominarem a língua portuguesa, dificilmente poderiam continuar cursos em Portugal. E assim, os poucos com possibilidades económicas para continuar estudos procuravam países cuja língua lhes fosse familiar, ou lhes concedessem bolsas de estudo.
E vemos hoje, não sem surpresa, muitos indivíduos negros formados por escolas estrangeiras. Esses estão agora, quase todos, nos comandos políticos da nova nação angolana. O sentimento de lusitanidade pouco lhes diz.
A partir de 1961, e com imediata consequência da eclosão do terrorismo (naquele tempo era mesmo terrorismo), houve uma espectacular viragem no campo da instrução. Antes, não havia edifícios para escolas, não havia professores, não havia alunos e, sobretudo, não havia dinheiro, como sempre se dizia. Mas depois apareceram os edifícios (novos uns, adaptados outros), apareceram os professores, surgiram os alunos (e de que maneira)... e brotou o dinheiro.
O Ministro de Ultramar, ao tempo o Prof. Doutor Adriano Moreira, na sua visita a Angola munido de poderes legislativos, criou em todas as cidades e nalgumas vilas, liceus e escolas técnicas que não demoraram a ser instalados e providos.
Instalou-se a Universidade de Luanda com Faculdades operando em Nova Lisboa e Sá da Bandeira.
Tudo isso desencadeou espectacular arrancada no desenvolvimento escolar e não será exagero afirmar que, no decénio que se segui, o número de instruendos terá duplicado.
Agora tudo adormeceu. Há escolas fechadas, outras só virtualmente abertas. A maioria dos professores brancos foi-se embora e não há professores negros a substituí-los, salvo nos postos rurais. Os alunos, por uma razão ou por outra, também não afluem. A Escola Preparatória do Lobito, que no ano anterior contou 1.800 alunos, abriu este ano com cerca de 600; e as escolas primárias também têm a frequência reduzida a metade ou menos.

Justiça - Após as férias judiciais de Agosto e Setembro, o ano judicial deveria iniciar-se em 1 de Outubro com reabertura dos Tribunais. Mas acontece que, de mais de 40 Magistrados judiciais e outros tantos Agentes do Ministério Publico, apenas 3 juízes e uns dígitos Delegados se encontram presentemente em Angola, conforme me noticiaram de Luanda. Igualmente estagnou o processo burocrático por quase absoluta carência de pessoal de secretaria.
Parou a Justiça e, com ela, parou a repressão do crime, parou a resolução de muitos interesses cíveis em litígio. E a coberto desta quase impunidade (imediata) pode calcular-se o comportamento de muita gente, quer no campo penal quer no cível.
O Ministério de Justiça (do Governo de Luanda) pretendeu evitar que o prestigio da Justiça fosse abalado pela flagrante falta de juízes ao mesmo tempo que solucionou a questão de prazos que findariam para a prática de actos judiciais (pois não havia quem lhes desse andamento) e determinou que as férias judiciais fossem ampliadas até 16 de Novembro. Mas isto não resolveu o problema apenas o adiou, pois a situação deverá manter-se inalterada depois daquela data.
Por tudo quanto fica dito começam já a ver-se os primeiros efeitos da descolonização acelerada imposta por ingénuos irresponsáveis. O bom senso aconselharia que ela se fizesse por fases à medida que fossem surgindo substitutos técnicos capazes.