Lobito 29 Janeiro de 1976

O Presidente Savimbi veio no fim da semana ao Lobito presidir a um comício organizado para a sua chegada ao aeroporto. Dizem que reuniu muita gente, correspondendo a constantes e veementes apelos feitos pela emissora local mas, em todo o caso, nada comparável à fantástica manifestação que o povo do Lobito lhe prestou quando visitou esta cidade pela primeira vez, há uns 9 ou 10 meses.
Prováveis razoes: a população da cidade está diminuída; o povo já está cansado de comícios; as pessoas já duvidam muito da eficiência e capacidade da UNITA, designadamente depois do frustrante consulado de 3 meses de Jorge Valentim.

Savimbi fez uma alocução apologética das virtudes da UNITA, apelou para a união do povo com o seu Movimento e reconheceu veladamente a ocorrência de alguns desmandos; condenou (mais uma vez) a fuga dos brancos, afirmando que não há hoje país algum no mundo que possa construir-se com gente de uma só cor, e exortou o povo a colaborar com o branco se quiser evitar o desemprego e a fome; mas não proibiu frontalmente a expropriação dos bens dos brancos, nem deu solenes garantias de salvaguarda aos que ainda ficaram.

À noite, na Associação Comercial, teve uma conferência com os comerciantes e industriais da zona, os quais lhe expuseram os seus problemas e, sobretudo, apresentaram numerosas queixas, Parece que, em resultado disso, Savimbi teria, em reunião posterior com os dirigentes locais, verberado asperamente a forma como estes têm conduzido a política e a administração.
O governo do Huambo, formado há dois meses, parece que morreu ao nascer; pelo menos alguns dos ministros (da FNLA) teriam desertado; de qualquer modo, nunca este governo tomou qualquer providência legislativa ou foi dado ^`a execução qualquer Despacho. Contudo, sabe-se que a maioria dos ministros se instalou condignamente, com os seus Gabinetes, seus Directores Gerais, seus secretários, suas escolhidas secretárias, automóveis (roubados) com motoristas privativos, guarda-costas, etc.
Não faltou nada... perdão, faltou governar.

Segundo Savimbi declarou aqui no Lobito, alguns ministros que fugiram (da FNLA) teriam levado consigo, e cada um, alguns milhares de contos do tesouro público. Bom, não se saberá bem o que será tesouro público, visto que não há contabilidade pública. Há dinheiro nos Bancos e, enquanto houver, qualquer membro do governo ou dirigente do Movimento costuma ir lá buscar o que quiser. Consta Até que os vencimentos do pessoal de cada um Ministério seriam pagos pelo próprio ministro que dispõe de uma maleta com dinheiro no seu Gabinete.
É crivel isso, porque no Lobito algo semelhante acontece. Aqui, os funcionários dos vários departamentos administrativos continuam a receber os seus vencimentos pela via burocrática normal; mas os dos diversos cargos políticos (e não sei se militares), esses parece que recebem pela "escrita de saco". Para tanto , o dirigente local do Movimento vai ao Banco de Angola e "saca" simplesmente o montante de que necessita.
Tudo Muito simples!...

Parece que já atrás referi que, mesmo sem disposição legislativa, o Banco de Angola foi absorvido passando a denominar-se Banco de Reconstrução Nacional.
Desde a secessão que o Banco de Angola, com dependências em território da novel República Democrática, passou a ter sede no Huambo; há outra sede em Luanda, mas essa pertence à República Popular. Uma baralhada que não sei se algum dia terá compostura e, nesse meio, o dinheiro escoar-se-á como água em saco roto.
Ora, com este movimento promocional, a dependência do Lobito passou de simples Agência para Filial e, sendo assim, o seu comando já não poderia ficar cometido a um mero gerente; à nova hierarquia corresponderia o lugar de director. Mas um director seria insuficiente perante a complexidade (sonhadora) das operações, além de ser uma solução pouco democrática; o melhor seria uma Comissão Directiva. E assim se fez.
Foi constituída uma Comissão composta por oito membros. Nada menos! Alcandoraram-se quatro funcionários do Banco a essas funções (era preciso alguém que percebesse alguma coisa disso) e completou-se o elenco com o delegado local da Inspecção de Crédito e Seguros (também técnico e presentemente na disponibilidade) e três maiorais da UNITA, entre os quais o próprio dirigente político.
A primeira deliberação (suponho) tomada por essa Comissão foi estipular o vencimento de cada membro: "apenas" 30 contos mensais... por assistência a eventuais reuniões. Essa Comissão (ou Conselho), com funções pouco mais que teóricas, custaria então ao Banco 2.880 contos anuais.
Mas na realidade ficará um pouco mais barata porque o Delegado da Inspecção de Crédito e Seguros, alegando ser já funcionário público com o respectivo vencimento, teria renunciado a esta retribuição extra, facto que merece ser registado.

Enfim... seja tudo a bem do Povo de Angola que os Movimentos afincadamente pretendem defender... dos colonialistas.