Lobito 19 de Setembro 1975

Nas duas últimas semanas de Julho tirei umas férias e fui gozá-las ao Bocoio com a família. Embora deficientemente, instalámo-nos na casa que ali estou a concluir, apetrechando-a para o efeito com o mínimo indispensável: uns divãs, roupas de casa, algumas louças e pouco mais.
Foram uns dias deliciosos naquela vila lavada e pacata; dias de tranquilidade, de calmo diálogo com a Natureza, alternando com os trabalhos de um pedreiro, um carpinteiro e um pintor, que me aprazia dirigir directamente.
Findas as férias regressamos ao Lobito, e tencionava continuar a passar lá os fins de semana. Porém, o agravamento da situação com a extensão da guerra a esta região (já relatado no início destes apontamentos) impediram que voltássemos. Com as comunicações cortadas, fiquei mais de um mês sem noticias daquela vila.
Há dias surgiu-me em casa, no Lobito, um rapaz que tenho lá empregado para cuidar da casa e do jardim. Informou-me então que, em fins de Agosto, as tropas da UNITA (que nessa altura ocupavam a vila), haviam assaltado e saqueado a minha casa, arrombando e partindo portas e levando quase tudo quanto lá havia - colchões, roupas de casa de vestir, fogão, as poucas louças, etc. Que a pilhagem se estendeu a quase todas as casas da vila, residências e estabelecimentos, cujos habitantes se encontravam ausentes; só foram poupadas as poucas casas que ainda estavam ocupadas.
Dias depois a vila foi tomada pelas forças do MPLA e, então, completou-se o saque do que ainda restava, mesmo dos habitantes que teimaram em manter-se nas suas residências. Apreenderam todas as camionetas e carrinhas e com elas, durante vários dias, transportaram o recheio de cada casa que, segundo também informou a testemunha, foram distribuir pelas aldeias circundantes.
Um comerciante (de nome Ribeiro) a quem já haviam saqueado o estabelecimento, quis retirar-se com o resto dos seus haveres, mas só lhe consentiram que trouxesse as roupas e objectos de uso pessoal; Tudo mais - mobílias, adornos e utensílios - "pertenciam ao povo", declararam.
Deve ser interessante (com humor negro) apreciar um quadro com cubatas de pau-a-pique e piso de terra batida, onde as pessoas vivem em franca promiscuidade com porcos e galinhas, atafulhados de móveis mais ou menos requintados, frigoríficos, electrodomésticos (inúteis por carência de energia) e demais adornos...
Os "leaders" dos Movimentos afobam-se aos microfones repetindo que todos cabem em Angola, que os brancos não a devem abandonar, que é lamentável a situação que se vive, mas que o amor pela terra onde granjearam a vida lhes deve merecer um pouco de sacrifício, etc., etc.; por outro lado permitam a pilhagem, o espancamento desses mesmos brancos que procuram cativar!
Aceita-se correr o risco da luta armada, aceitam-se mesmo temporárias carências alimentares, mas será demasiado pretender que, além disso, as pessoas se resignem a verem-se despojadas do que, quantas vezes, constitui a sua única fortuna.
Que futuro se promete a essa gente?
É certo que os órgãos de cúpula dos Movimentos também têm anunciado que tais depredações estão proibidas e que serão punidos os infractores. E em verdade se deve dizer que já houve alguns castigos, até com fuzilamento,; mas só em casos de flagrante gravidade e grande repercussão pública, como frios e deliberados assassinatos. O saque simples ou generalizado é tacitamente consentido a coberto da sua pretensa ignorância.