Lobito 9 Janeiro de 1976

Façamos agora algumas considerações sobre as actuais condições de vida, porque as feitas anteriormente já não se ajustam. Para tanto, há que diferenciar as duas Angolas de momento.

A República Popular (MPLA), que compreende a área metropolitana de Luanda e se estende por um corredor até cerca de Malange, o enclave de Cabinda, parte dos distritos de Quanza Sul e da Lunda, e, agora desde há dias, outro corredor que de Luanda segue para Nordeste até Carmona.

A República Democrática (FNLA/UNITA), que domina sobre todo o restante território.

Quanto á República Popular, pouco ou nada sei das condições de vida nos seus territórios. Consta om frequência que há grandes carências alimentares em Luanda, mas suponho que tais faltas se refiram apenas a produtos da terra, dos quais as áreas ocupadas por esta República são escassamente produtoras, Em relação ao resto (designadamente produtos importados), julgo que as acarências não deverão ser expressivas, pois o Governo de Luanda deve dispor de meios suficientes para as suprir.
É que Luanda, como capital, centralizava quase todo o potencial financeiro de Angola; todas as divisas estrangeiras ali se arrecadavam; todas as reservas bancárias; era a sede do érario público; ali afluiam as grandes contribuições fiscais e por lá passavam todas as operações cambiais. Acresce que as ,melhores exportações criadas de divisas (petróleo, diamantes e grande parte do café) se produziam em regiões por si controladas.

Relaticamente à República Democrática as coisas passam-se de maneira mais preocupante, a resvalar até para dramático. Enquanto a República de Luanda se serviu do aparelho administrativo que herdou da governação portuguesa, com as suas hierarquias mais elevadas (por ter ocupado a capital), a República Democrática teve que se contentar com os orgãos de base locais, e o seu Governo terá que montar inteiramente o esquema administrativo. E, neste meio, reina o caos legislativo e, o que é pior, a ausência de autoridade.

Numa primeira ilação, poderá parecer que tal situação, volvendo a sociedade à lei da selva, terá levado a população a fechar-se em casa pela intranquilidade, insegurança ou risco de vida, em resultado do desencandear de paixões, ambições e retaliações estimuladas por prévia garantia de impunidade. Mas tal não acontece, para nossa felicidade. Na generalidade, as normas de conduta social, incrustadas por gerações no espirito do povo, continuam a ser relativamente cumpridas.
É evidente que o índice de criminalidade foi em muito superado, que os marginais se sentem em campo conquistado, que os elementos armados praticam toda a sorte de tropelias, que a autoridade de que se revestiram é sectária, mas o comum do povo mantém-se ordeiro e relativamente respeitador dos valores sociais que sempre conheceu, não obstante a transitória falta de coercividade.