Lobito 6 de Novembro 1975

Desde as 5 horas da manhã que se ouve o troar de artilharia ao longe, para os lados de Benguela. A espaços, um outro tipo mais forte fez estremecer os vidros da janela do meu quarto. Mas o tiroteio ainda anda longe.
Não se sabe o que se passa, mas o facto sugere barragem de artilharia preparatória de ataque.
Cerca de 8 horas cessam as explosões para recomeçarem mais tarde, por mais uma hora. Depois, novamente silêncio. Que se passa de concreto ?
A apropriação de viaturas continua e chegam-me noticias de mais uma série de casos. Até ao cais marítimo de embarque vão buscar automóveis já despachados para saída. Os postos de abastecimento de combustível são obrigados a fornecer gratuitamente gasolina para esses carros.
Embora quase tudo se possa justificar em tempo de guerra, esta espoliação em massa poderia impressionar quem não se encontrar familiarizado com o ambiente. Mas afinal ela é natural consequência do rumo apontado pelo próprio presidente do MPLA. Efectivamente, este disse há meses num comício em Luanda que, tendo passado pelo porto marítimo, assistiu ao embarque de mais de 200 automóveis para Portugal, e que essa saída era um roubo que estava a ser feito à economia e ao povo de Angola, pois esses carros pertenciam ao povo que tem sido quem, em última análise, os pagou com o seu trabalho.
Mais recentemente, há umas duas ou três semanas, o mesmo presidente (Agostinho Neto) confirmou aquele dito, declarando que já saíram muitos carros (realmente uns largos milhares), mas que os que ficaram devem pertencer ao povo. Assim, os elementos do seu "braço armado" mais não tem feito do que dar execução à conduta por ele preconizada.

Consta que Benguela, esta manhã, já caiu em poder das forças da FNLA; que a população civil não foi molestada. E, embora não haja qualquer noticia do avanço sobre o Lobito, as forças do MPLA continuam afadigadas na evacuação. Parece que está posta de parte a hipótese de aqui opor resistência.
Felizmente que ali parece não ter acontecido o que se passou há dias durante a tomada de Moçâmedes. De acordo com informações de mais que uma via, quando as forças da FNLA, auxiliadas pelo contingente de brancos se aproximaram daquela cidade, as tropas e comandos do MPLA que guarneciam a área, retiraram apressadamente para barcos que os transportaram para o Lobito e, possivelmente para outros destinos. Para funcionar como força de cobertura, entregaram armas automáticas ás crianças da organização dos Pioneiros, com o fim de oporem resistência e retardarem o avanço do invasor, sem dúvida para disporem de mais tempo para completar a evacuação. Essas crianças, tomando a sério o seu papel, teriam realmente resistido com fogo; mas as tropas, para evitar matar crianças, t^-las-iam cercado e neutralizado com gases lacrimógeneos.
Ainda que sem absoluta confirmação, por enquanto, o facto é bastante crível pois que, nesta zona e por várias vezes, o MPLA utilizou crianças armadas, enquadrando-as na frente de combate, sobretudo para manter a posse da estrada que corre do Lobito a Nova Lisboa.
Ao cair da tarde já muito poucos soldados do MPLA circulam pelas ruas do Lobito. A maioria já debandou. Os últimos teriam conseguido embarcar num navio grego que se encontrava acostado, ainda que contra a vontade do capitão. Quando digo "os últimos" refiro-me a soldados fardados, pois alguns houve que resolveram, expeditamente, a situação: simplesmente abandonaram as armas e a farda em qualquer canto e, trajando à civil, misturaram-se com a população.
Carros , carrinhas e camiões percorrem a cidade recolhendo as tropas espalhadas; depois estas procuram navios ou..traineiras (ou qualquer outro barco) para se "safarem" para Luanda.
Chegam mais noticias sobre a tomada de Benguela: teria havido forte luta na periferia e mesmo dentro da cidade. Sem confirmação de outra fonte, a "Voz da Alemanha" refere hoje que o MPLA terá perdido nesta batalha o correspondente a sete companhias, ou seja, nas estruturas actuais, cerca de 1.300 soldados; o que me parece, no entanto, exagerado.

Continua sem se saber a posição das forças que avançam sobre o Lobito; nem das que devem provir de Benguela (FNLA e o corpo de brancos), nem das que, descendo do interior pela estrada Nova Lisboa/Lobito, se sabe estarem a poucas dezenas de quilómetros.
Esta ignorância deveria gerar, normalmente, profundos estados de angústia na população. Todavia, desta feita, tal não parece verificar-se, já por ser que não há forças armadas para resistir, já por a maioria não recear (e muitos até desejam) a vinda do invasor.
Não deixa, contudo, de ser estranho que, estando o caminho aberto, tanto tardem. Diz-se que estarão detidos nas proximidades aguardando que se complete a evacuação dos vencidos, para poderem entrar na cidade sem necessidade de dar um tiro. Se assim for, será uma atitude humanitária que se deve registar como rara nas andanças de uma guerra.
Aqui e ali vêem-se camionetas e carrinhas abandonadas com armas, munições e fardamentos, que alguns civis tomam a iniciativa de transportar para junto das inoperantes esquadras da Policia.