Lobito 2 Fevereiro de 1976

Os últimos dias clarificaram alguns aspectos da situação.

A retirada parcial das forças da África do Sul teria sido determinada por razões políticas: este país, o mais directamente interessado na oposição ao expansionismo soviético em África, entrou sem dúvida na luta de Angola com prévia aquiescência dos Estados Unidos e dos principais países da Europa Ocidental, Mas como o proveito seria de todo o bloco ocidental, certamente que esses países não se teriam limitado a anuir à intervenção, mas teriam ainda prometido eficaz colaboração, mais ou menos directa, no caso de o apoio soviético ao MPLA se ampliar e a guerra se tornar mais agressiva.

A principio tudo correu bem, e os sulafricanos tiveram que enfrentar apenas as forças do MPLA, reforçadas com uns 1.500 cubanos, afora os ex-gendarmes catangueses.
O pior foi que a intervenção da África do Sul provocou imediata reacção russa que logo despejou catadupas de material bélico em Luanda, porventura até mais sofisticado que o fornecido aos países árabes, e promoveu uma ponte aérea para transporte de cubanos, os quais aumentaram rapidamente para 3.000, depois para 5.000, dias após para 7.000, atingindo os 9.000 na data da começo da contra-ofensiva (hoje dizem as emissoras estrangeiras que são pelo menos 10.500).

Seria então chegada a altura de a África do Sul pedir ao bloco ocidental o cumprimento da promessa, sob pena de se ver envolvida numa guerra integral. Por isso, parou e aguardou. Mas o Ocidente fez-se desentendido e não acudiu. E os sulafricanos começaram então a retirada para as suas fronteiras. Não lhes agradava, e com razão, serem os únicos remadores da barca, enquanto os outros se repimpavam ao leme.

O Governo sulafricano não escondeu esse fundamento, tendo declarado há dias que não estava disposto (ou talvez não pudesse) enfrentar sozinho a arremetida soviética.
Enquanto isso. relatam os correspondestes noticiosos que Kessinger teria sido desfrutado em Moscovo e que o Congresso Americano recusou a ajuda directa. Certamente os luminares Senadores estariam mais preocupados com as oscilações dos pontos de Dow Jones.

O MPLA, pelas mãos dos cubanos, continua a investir para Sul e já se espera que dentro de pouco tempo venha reocupar o Lobito e Benguela. E será fora de dúvida que, se não ocorrer pronto auxilio do exterior, venha a tomar conta de Angola inteira.
E tudo depende, porém, da atitude Ocidental nos próximos dias.
Anunciam as emissoras estrangeiras que estão recrutados em Inglaterra duas ou três centenas de mercenários e outros tantos dos Estados Unidos, para reforçar as forças anti-comunistas.
A ser verdadeira a informação, o facto terá apenas algum efeito psicológico, mas quase nula influência militar. No estado actual da guerra e na imensa área onde se desenvolve, não serão umas centenas de homens, mesmo muito qualificados que sejam, que farão mudar a sorte das armas.

Claro que ainda há uma carta na manga; a China. Mas este país, este meio mundo, é uma incógnita por enquanto.
É sabido que a China tem todo o interesse em contrariar a expansão russa, mormente na actualidade em que os dois colossos se olham com não disfarçada acrimónia; é igualmente sabido que sempre ambicionou plantar estacas no continente africano para alicerçar feitorias complementares da sua economia e servir de escoadoiro dos seus excedentes demográficos; é finalmente sabido que este país mantém boas relações com a UNITA, a quem já terá prestado ajuda.
Natural será, pois, que a China não queira deixar soçobrar este Movimento. A China tem homens, muitos homens, e havendo material (e há) parece que a URSS com dificuldade poderia competir com ela em Angola.
Mas... há um "mas". A China está muito longe e só poderia chegar com eficácia a Angola com "licença" da URSS que, praticamente domina o Indico. Sem falar, já se vê, da conveniência de, no momento, se ver envolvida em conflito com este país.

As cartas estão baralhadas e distribuídas; cada parceiro apostará consoante seu jogo ou ... sua audácia.
Presumo que os próximos dias poderão decidir o lance.