Lobito, 19 Agosto de 1975

Desde há seis dias, madrugada do dia 13, que a cidade tem estado debaixo de fogo, em recontro entre os Movimentos ditos de Libertação.
Com curtos períodos de suspensão, noite e dia tem sido um constante matraquear de tiros (espingardas, metralhadoras, morteiros...sei lá que mais!
Felizmente que uma zona residencial (Restinga) foi poupada ao flagelo e nela se foi refugiar a maioria da população civil (muitos brancos e alguns pretos); felizmente ainda porque na generalidade, fraca instrução de armas terão os combatentes, pois que, em função do fogo nutrido e persistente, foram relativamente pequenos os materiais e mesmo em vidas.
No entanto, apesar de ainda não conhecendo o numero de mortos, talvez subam a três ou quatro dezenas entre combatentes e civis, segundo consta.
Terminou ontem essa confrontação com a retirada, para o interior, das forças da FNLA e da UNITA, batidas pelo MPLA que ficou a dominar a cidade.
Como 2ª fase, ocorre agora a perseguição e caça aso elementos dos Movimentos derrotados, os saques e incêndios feitos por marginais que se aproveitam da confusão, o que também é costumeiro nestas situações.
Mas, para melhor se compreender a posição, recapitulemos resumidamente os antecedentes.

Durante o governo de Spínola (até Setembro de 74), os Movimentos emancipalistas (MPLA, FNLA,  e UNITA) foram autorizados a fixarem-se em território angolano, onde poderiam instalar os seus escritórios e delegações desde que entregassem todas as armas. Mas Spínola caiu e a condição de desarmamento foi simplesmente esquecida.
Assim cada movimento foi-se instalando nas cidades e vilas, com os respectivos militantes armados formando cada qual o seu exercito de ocupação; Angola ficou deste modo, com quatro exercitos (contando as forças do Exercito Português).
A importância dos primeiros, porem, era pouco expressiva e os últimos meses de 1974 foram consumidos em estabelecer representações locais. Nesse período, caracterizadamente de arrancada politica, quase não houve distúrbios, pois toda a actividade se voltava para o angueriamento de adeptos e simpatizantes, e organização da burocracia partidária.
Cada Movimento poderia, então, esboçar-se assim:
- MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), o mais antigo, que operava com base em Brazaville (ex-Congo Francês). e feição claramente comunista, sempre sobreviveu mercê do auxilio maciço da URSS em dinheiro, armas e....doutrinação politica. Recebia também contributos de outros países, nomeadamente da Tchecoslováquia e da Suécia.
Todavia, dado o seu nulo progresso militar durante 14 anos  de luta contra a dominação portuguesa, parece que desalentou os seus mentores e amigos a ponto de, em 25 de Abril, se encontrar perto do colapso.
Dentro de Angola, este Movimento nunca consegui penetrar nas massas populares rurais. Os seus adeptos recrutavam-se principalmente entre a massa estudantil e operária mais evoluída na zona de Luanda.
- FNLA (Movimento Nacional de Libertação de Angola) - a sua primeira sigla UPA (União dos Povos Angolanos) - foi o responsável pelo massacre (verdadeiro genocídio) de brancos e pretos em 15 de Março de 1961, com que foi praticamente iniciada a luta emancipalista.
Estava sediado em Kinshasa (ex-Congo Belga), de onde recebia todo o seu apoio material, instrutores e até alguns combatentes. A sua ideologia parece ser de feição capitalista, mas de tipo ditatorial, presumindo-se semelhante ao sistema que reina no Zaire, onde aliás estava "hospedado".
Julga-se que o seu abastecimento seria feito pelos EUA, através do Zaire de Mobutu. Operava nos distritos do Norte de Angola e pouca representatividade recebia no povo angolano. Durante os últimos anos de luta combateu dois adversários: o Exercito Português e as forças do MPLA, seu adversário politico.
- UNITA (União Nacional para a Indepencia de Angola) - Movimento fundado em 1966 por desmembramento da FNLA, de onde, por dissidência, saiu o seu chefe Dr. Jonas Savimbi.
Este Movimento foi o único que se instalou em Angola, estabelecendo bases nas matas do Leste. Partiu do nada, não recebendo (que se saiba) qualquer auxilio estrangeiro para a sua instalação, até porque era uma facção clandestina não reconhecida pelos países africanos -  só foi reconhecido como Movimento emancipalista pela OUA em princípios de Janeiro de 75, dias antes do Acordo de Alvor.