Lobito 19 Dezembro de 1975

Desde princípios de Novembro, data em que o MPLA, foi desbancado desta zona, a cidade foi, como é natural, ocupada pelas forças do FNLA e da UNITA. Passou a ser corriqueiro ver soldados armados por todo o lado: de carro, a pé, de guarda aos edifícios públicos e até particulares, isolados ou em patrulhas, mas sempre armados.
A UNITA, porque dispõe de maior contingente, tomou a seu cuidado a guarda de certos locais - Palácio do Governo (desabitado), Correios, Câmara Municipal, Estação de Rádio, etc.
O facto de ser UNITA quem tomou o encargo de montar esse dispositivo tem origem, a meu ver, em duas circunstancias: primeiro, porque a UNITA teria necessidade de dar ocupação aos seus soldados, em maior numero - já começa a enxergar-se que a tropa deste Movimento, muito menos instruída e disciplinada, para pouco servirá nas linhas de combate, onde praticamente não tem registado vitórias, e daí a sua utilização na ocupaçao das terras conquistadas; as frentes de batalha são essencialmente constituídas por tropas da FNLA e Sul-Africanos. Segundo porque, cônscios da sua fraqueza guerreira, os comandos da UNITA satisfazem-se com domínio das populações civis e ocupação dos pontos chave das localidades sob sua vigilância.
E, para tapar essa fraqueza, tal vigilância tem muito de despotismo.
As tropas da FNLA estão, de modo geral, regularmente fardadas. Em contraste, as da UNITA quase não têm fardas; talvez pouco mais de 10% ande equipada com uniforme completo. A uns faltam-lhes as botas e utilizam sapatos, sandálias, alpargatas e até coisa nenhuma...descalços; outros vestem calças de uniforme (camuflado ou liso), mas envergam camisas ou camisolas das mais variadas cores ou desenhos, e ao invés os que têm dólman ou camisa do regulamento ostentam calças civis, dando preferência às cores gritantes (amarelas, roxas, encarnadas).
Mas a maior variedade cabe à cobertura da cabeça: desde o capacete de aço ou de plástico, ao chapéu de "cow-boy", chapéu à toureiro, barrete-bivaque, carapuço, chapéu palhinha, chapéu de senhora em corres garridas e até chapéus rendados. Como emblema, muitos não ostentam nada, outros trazem o emblema do seu Movimento, e alguns poucos aquilo que a sua fantasia lhes sugere; um encontrei eu que, sobre a aba revirada do chapéu à policia montada, exibia um enfeite faiscante de bijuteria orlado de pedras "preciosas". Por si só, isto indicia, além de ausência de disciplina, uma patente falta de meios com que a UNITA se debate.
E, para alem desta rica variedade no trajo militar, que rompeu com notória alacridade a costumeira monotonia do equipamento das forças armadas, é também digno de registo o comportamento destes soldados. Como disse, a tropa montou guarda à porta de alguns edifícios. Mas as sentinelas e as restantes unidades do corpo da guarda tomam as insólitas posições, num à-vontade e num desalinho que faria rir se não confrangesse.

Ás portas da Câmara Municipal e dos Correios, por exemplo, ocupando as escadarias de acesso, estendem-se pelos degraus, sentados ou mesmo deitados, ora em amena cavaqueira, ora tirando cochilos. Dentro (dos Correios), serve de refeitório o recinto destinado ao público que utiliza as caixas postais; e a qualquer hora do dia aquele local encontra-se pejado de panelas, pratos, restos de comida espalhada a esmo quer dentro dos recipientes quer pelo chão, pois, finda a refeição, ali ficaram os utensílios por lavar aguardando a refeição seguinte. E as pessoas para se abeirarem da sua caixa postal têm que escolher espaço limpo onde pôr os pés.

Nos do Palácio do Governo e do Radio Clube cenas idênticas se passam, só que, como nesses locais não há escadarias, os militares da guarda acarretam para ali cadeiras e poltronas onde se esparramam e escarracham nas posições mais relaxantes e incríveis. Num armazém de retém (da Construtora), sito numa rua principal, onde entenderam montar guardam também, chegaram ao requinte de instalar no passeio, junto à porta, um colchão de molas para maior comodidade.

E pelas ruas deambulam amiúde soldados isolados ou em grupos, sem comando visível, de arma ao ombro, ou em bandoleira, ou debaixo do braço, ou segura pelo cano ao jeito de cacete, ou ainda atravessada sobre a nuca e segura nas extremidades pelos braços pendurados.

E o público passa, vê e...segue em frente com um encolher de ombros.
Aparentemente este cenário nada tem de contundente nem oferece perigo directo. O perigo está nas conclusões que dele se pode extrair: o encontrar-se a tranquilidade, segurança e ordem publica nas mãos de hordas sem organizaçao e disciplina, o que não é de somenos.