Lobito 30 de Abril 1976

O Governo está a montar cooperativas de consumo. Começaram por Luanda e estão a espraiar-se pelos centros importantes do território.
Não são, como é usual, formadas por iniciativa de grupo de consumidores, mas por impulso do partido que fornece e publica os Estatutos e lhes nomeia logo os órgãos directivos.
Abstraindo outros aspectos, a medida é, no presente, muito oportuna por vir preencher o vazio deixado pelo encerramento de muitos estabelecimentos de retalho. À rarefacção dos produtos alimentares acresceu a falta de suficientes estabelecimentos de venda para martírio da população.

O seu êxito porém, depende de boa gestão, e o beneficio social de uma rede bem calculada e parcimoniosa para não provocar o estiolamento da iniciativa privada, aliás de pouca importância para o regime.
Não conheço como têm funcionado as cooperativas já existentes, pois no Lobito o sistema ainda está em organização; mas duvido que, a maior delas, haja gente devidamente habilitada (e suficientemente honesta) para as levar a bom porto.

Notam-se para já duas coisas: os Estatutos são policopiados, o que não admira por provirem da mesma fonte, e os seus órgãos directivos não são eleitos, mas nomeados logo no texto dos Estatutos.
Mas como o partido nunca perde migalha, as cooperativas funcionarão simultaneamente como núcleos de doutrinação politica, como se depreende de alguns passos dos Estatutos. Assim:

Art.º 5º -  A cooperativa combaterá firmemente o espírito de propriedade privada.

Art.º 3º -  A cooperativa tem por finalidade:
                d) - Contribuir para o aumento do nível consciencialização politica... através da prática de Participação ajudando, assim, na consolidação do Poder Popular.

Art.º 13º - São deveres dos cooperadores:
                f) - Manterem-se permanentemente vigilantes e lutarem contra todos os actos de sabotagem movidos pelas forças reaccionárias a soldo do imperialismo.

Esta doutrinação obcecante, omnipresente em todo o tempo e em todos os lugares, é já típica do regime onde quer se ele se implante. Nisso está o fundamento da sua sobrevivência; nisso e no imperativo da força como adjuvante para os mais resistentes ao narcótico.
O curioso é que os mentores desta ideologia, sem mais concederem confronto, são críticos pertinazes de outros pensares não se contendo em fustigarem os métodos e manobras que outros usaram, mas praticando eles próprios o aperfeiçoamento desses métodos.

Assim, li há pouco um livro intitulado "Histórias das Ideologias" que, no vol. I a pag.136, contêm o seguinte passo:

"...os representantes das teorias teocráticas serviam-se, habitualmente, para os seu fins, do descontentamento das massas trabalhadoras contra a opressão das autoridades seculares e procuravam apresentar-se como defensores do povo contra a violência e arbitrariedade dos "tiranos". Na realidade, o Papa e todo clero reprimiam, implacavelmente, todos os movimento que surgiam entre as massas trabalhadoras se eram dirigidos contra a exploração feudal".

Deve-se esclarecer que este livro, escrito por um tal V.S.Pokrovski, faz a história das ideologias políticas através dos tempos, apreciando os acontecimentos e sua evolução segundo o prisma comunista.
Por toda a obra perpassa cerrado e contínuo ataque à Igreja Católica e suas instituições. A transcrição acima relata a situação da Idade Média.




CONTINUA...