Cont.(...) 20 Novembro de 1975

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Desde o 25 de Abril que a atitude do Governo Português tornou bem claro que não aderia ao principio de Monrõe - a África para os africanos, por adaptação de "a América para os americanos" - Com a diferença de que, enquanto na América esse principio se baseava no "jus soli", em Angola alicerçava-se na etnia. e, com o Governo Português, quase todo o Mundo acolhia esse arcaico conceito; uns por comodista indiferença, muitos por isso ser favorável a futuros interesses económicos.

A gente branca de Angola foi-se sentindo desamparada à medida que recrudesciam as manifestações de racismo. Destrate, na base desta debandada esteve sempre o receio de retaliação rácica.

A situação em Portugal não estava, certamente, melhor no aspecto económico e até social; mas os retornados encontrar-se-iam entre os seus, sem o risco angustiante de serem alvo de sevícias só por serem brancos. E realmente era de certo modo fundado o receio. Por um lado porque, perdido gradualmente o controlo de autoridade, os negros, isolados ou em hordas, davam larga aos seus instintos primários, certos como estavam da impunidade - vigorava a lei da selva e o mais forte, pelo número e pelas armas, era o negro; por outro lado, porque dia a dia se tornava mais patente que a máquina administrativa seria dirigida não pelos mais competentes mas por escolha de pele negra. Desde o Acordo de Alvor que isto ficou oficialmente implícito.
A despeito da evolução mental dos povos, de reconhecimento da universalidade da pessoa humana, da igualdade de raças, da intercomunicação de conceitos e normas sociais, da consagração do homem como supremo valor da civilização de hoje, julgou-se que a humanidade tinha saído definitivamente da barbárie. Nada mais ingénuo que essa crença. Enquanto por um lado, nos areópagos da cultura, se proclama a Declaração Universal dos Direitos do Homem, por, outro lado fomenta-se, auxilia-se, maneja-se a ambição dos povos explorando-se-lhes os defeitos e tendências ao sabor das conveniências.
A dialectica política é paradoxal e atinge por vezes o absurdo. Fabricam-se argumentos para justificar atitudes ou condutas ilegítimas, mas os mesmos argumentos já não servem para apoiar actos idênticos noutro ponto do planeta.
Ao desnudar todos estes artifícios fica a descoberto a ambição, os interesses pessoais, ou do clã, ou do partido. Portanto, identidade de motivos com barbárie.
Por isso a dúvida, se realmente se chegou a sair desse estádio. Só que antigamente havia barbárie franca, aberta; hoje a barbárie é hipócrita, dissimulada.

E assim se explorou o tribalismo atávico das populações africanas (neste caso Angola) com a finalidade imediata de expulsar os portugueses. A finalidade remota...bem, essa já carece de outros argumentos ( que já devem estar a ser estudados) para justificar o advento de outra potência a preencher "filatropicamente" o vácuo deixado por aqueles.

Para aqui (para Angola) serviu perfeitamente o fundamento geoétnico. Mas geoétnico em sentido restrito, já que Angola parece não ser para todos os angolanos, mas somente para angolanos de raça negra. Os angolanos brancos, nascidos em Angola com 3 ou 4 gerações de ascendentes angolanos, não são, em principio, considerados como cidadãos políticos. Certamente que não serão expulsos, mas sem dúvida lhes será negada a plenitude de direitos cívicos.

O Estado Independente de Angola assentará, assim, num conceito rácico, ainda que em teoria as coisas pareçam processar-se de outra maneira.
De certo modo, o Estado etnocrático que se vislumbra para Angola estará certo, na medida em que durante a dominação portuguesa (e apesar de sempre se ter propalado a indistinção de raças) o negro era quase sempre postergado na promoção social e no caso a altas chefias. Ocorrerá desta feita e apenas, uma inversão de valores. Só que um erro do passado nunca justificou outro erro futuro.