Lobito 1 de Outubro 1975

Assinalou-se todo o mês de Setembro por intenso movimento portuário no carregamento de bagagens e utensílios das pessoas que debandam. São filas intermináveis de camionetas pejadas de caixas, caixotes, grades e arcas, onde cada um carregou todo ou parte do seu trem domestico, quantas vezes o que restou de uma vida inteira de trabalho.
A fila começa no cais, junto ao navio, estende-se ao longo dos armazéns portuários, sai pelos portões para a via publica e prolonga-se por ruas e avenidas numa extensão de perto de um quilometro. E ali jaz aquela longa coluna durante dias, avançando uns metros de quando em quando, como desoladora, triste e decidida debandada da terra da maldição.
Essa grande espera e desesperante lentidão no desembargo portuário resulta da intervenção fiscalizadora das bagagens por parte do Movimento que domina a cidade (MPLA). Este Movimento, como aliás os outros sobre as cidades que controlam, estabeleceu uma espécie de "estado de sítio", isto é,  assumiu praticamente o exercício do poder local, sobrepondo-se às autoridades construídas, cumprindo ou deixando de cumprir a lei segundo as suas conveniências politicas. Não é que as tenha destituído formalmente as autoridades, mas fiscaliza a sua actividade, homologando, anulando ou contrariando as suas decisões.
E assim, mantém no porto do Lobito um destacamento das suas forças armadas com a missão de interferir no embarque das bagagens dos que se ausentam.
Os funcionários aduaneiros, no exercício da sua função, inspeccionam os volumes de harmonia com as normas legais de exportação, após o que colocam rótulos de "Bagagem verificada" o que significa, ou deve significar para toda a gente, que essa bagagem está desembaraçada para embarque.
Todavia, e já no cais ao longo do navio, os piquetes armados do Movimento arrombam a escopro e martelo caixa por caixa e esquadrilham minuciosamente todo o conteúdo; não raro se apropriam de um ou outro artigo que lhes interesse pessoalmente ou cuja saída, no seu entender, possa prejudicar a economia ou o património artístico de Angola.
Nenhum objecto de arte indígena, que se tenha produzido em quantidades industriais para o turismo, pode agora sair; nada de géneros alimentícios, nem mesmo um quilo de café moído; nada de bebidas; nada de jóias, mesmo de uso pessoal; roupas, móveis e adornos só saem se tiverem aspecto de muito usados, utensílios domésticos, eléctricos ou não, máquinas de costura, geladeiras, só com nítidos indícios ou marcas de uso. Claro que isto se deve acrescer tudo o que é condicionado por lei e que já a Alfândega verificou e eventualmente impediu.
Objecto que, no entender dos componentes dos referidos piquetes, não possa seguir, é retirado mas não restituído a seu dono; fica separado para, posteriormente, ser levado (será?) para as instalações do Movimento, como "propriedade do povo".
Tudo o que é novo ou com aspecto de novo é apreendido.
E, para rematar, refere-se que esta fiscalização (?) é feita, normalmente, por piquetes constituídos por crianças de idades entre os 10 e os 15 anos comandados por um adulto.
O MPLA parece que sempre lutou com falta de efectivos para as suas forças armadas. E agora mais do que antes não só porque teve que distribuir essas forças por grande parte do território que presentemente domina, mas ainda por ter sofrido, dizem, grandes baixas nos confrontos em que se tem empenhado. Por isso, nas áreas urbanas lançou mão da juventude para cobertura da vigilância e da fiscalização.
Recruta os jovens de mais de 10 anos de idade; dá uma farda à maioria; ministra-lhes instruções politica adequada; enquadra-os em unidades semelhantes às militares e fornece-lhes uma arma. Os mais pequenos recebem uma espingarda de madeira pintada, os médios uma espingarda de pressão de ar ou outra arma de recreio, e os mais velhos (14 - 15 anos) detêm frequentemente verdadeiras armas de guerra. E com esta tropa executa o controle das estradas e as saídas marítimas e aéreas.
Veja-se agora a humilhação, as cenas insólitas que as pessoas vivem nas suas deslocações, obrigadas a cumprir ordens de miúdos, arbitrarias e voluntariosas, na exibição orgulhosa de autoridade que levianamente lhes foi conferida.
Isto parece sintoma bastante para demonstrar a pouca representatividade e aceitação que este Movimento terá no povo angolano, pois, à falta de adultos, ve-se na necessidade de lançar mão das crianças na exploração da tendência destas para fazerem o papel de a