Lobito 30 Dezembro de 1975

Calha agora falar das forças sulafricanas.

A África do Sul tem acompanhado com apreensão, como é natural, a evolução política de Angola e Moçambique, já que o que nesses territórios se vier a passar terá necessariamente repercussão na sua política interna, de forçada estabilidade e, portanto, de preocupante futuro.
Enquanto os três Movimentos se equilibram e permaneceu o Exército português, a África do Sul manteve-se na expectativa. Mas quando o MPLA, reforçado já por contingentes cubanos, começou a escorraçar os outros dois Movimentos, não só da governação mas também da maior parte do território, e o Exercito português abandonou Angola à sua sorte, a África do Sul teria decidido movimentar-se tomando posição contra o Movimento que representava a ideologia marxista (o MPLA) como sendo o mais perigoso para a sua política.
Essa tomada de posição ter-se-ia traduzido, de começo, pelo fornecimento de armas, munições e equipamentos por via indirecta, já que não convinha saber-se da sua ajuda.

Com o decurso do tempo e dos acontecimentos, este país decidiu intervir mais abertamente, até porque já começava a sentir os efeitos da hegemonia do MPLA em Angola, por via do auxilio que este Movimento passou a prestar à SWAPO (Movimento marxista separatista do Sudoeste Africano).
Assim, forças mais ou menos regulares do exercito sulafricano entraram em fins de Outubro pela fronteira do Sul de Angola, (1) aliaram-se às tropas da Facção Chipenda (FNLA) e da UNITA, e progrediram imparávelmente para Norte, tomando sucessivamente as cidades de Sá da Bandeira, Moçâmedes, Porto Alexandre, Benguela, Lobito e Novo Redondo, como já foi dito.
E aqui pararam o avanço - para consolidar posições, diziam. Porém, dada a desarticulação em que o MPLA então se encontrava, parece que não seria difícil continuar a progressão até ás proximidades de Luanda, na "exploração do êxito" como se diz em linguagem técnico-militar.
Mas a razão não será só essa. Aventam alguns que os sulafricanos não continuaram até Luanda para evitar grandes destruições e o sacrifício de muitas vidas, pelo que aguardariam melhor oportunidade. O fundamento será fraco se considerarmos que o tempo também corre a favor do MPLA, permitindo-lhe que mais e mais se reforce em homens e material oriundos de Cuba e da URSS.
Eu penso que a principal razão será de ordem política. A África do Sul tem combatido em Angola com o mínimo de publicidade, ainda que o facto não seja certamente ignorado nos bastidores da diplomacia internacional. Ora o assalto a Luanda, como cidade capital onde se encontram as representações diplomáticas e os correspondentes de informação internacional, e onde se situa o nó das comunicações com o mundo, punha a descoberto a dimensão  da intervenção sulafricana, o que não conviria a este país nem mesmo ao bloco ocidental.
Assim, ter-se-ia limitado a papel mais modesto e obscuro, mas à mesma valioso, libertando as grandes áreas do domínio marxista, enfraquecendo o "inimigo" r criando deste modo melhores condições aos Movimentos aliados para possibilitar o golpe final.

O primeiro-ministro sulafricano não se cansa de repetir que o seu país não tem pretensões territoriais, mas que se defenderá, onde e sempre que for necessário, contra a agressão ou outras acções que ponham em risco a estabilidade política. Do mesmo passo, os comandos das forças armadas que operam em Angola não só afirmam mas têm demonstrado que a sua missão é apenas combater o marxismo e não pretendem intrometer-se na política interna angolana; por isso, dão combate ao MPLA, sendo-lhes indiferente as disputas entre os outros dois Movimentos.

Chegou-me a indicação de que, presentemente, se encontram entre nós doze batalhões, num total de cerca de 6.000 soldados. Estabeleceram um base no Lobito com um efectivo permanente de 500 homens, pois esta cidade e toda a faixa do caminho de ferro até à fronteira Leste são os pontos mais vitais que lhes interessa manter. Contam, assim poder fazer frente aos para cima de 5.000 cubanos que se calcula encontrarem-se a combater ao lado do MPLA.
E a propósito de cubanos, informam as emissoras estrangeiras que, segundo os seus correspondentes em Luanda, eles não se entendem muito bem com os soldados do MPLA. Queixam-se os locais de que os cubanos os tratam com desprezo, que não acamaradam, praticando uma espécie de segregação social ( conduta insólita para quem professa ideais de igualdade e fraternidade); contrapõem os cubanos, ainda segundo as emissoras, que os soldados do MPLA são cobardes, fogem à luta, e que até têm tido necessidade de os abater quando, frente ao inimigo, tentam recuar.

(1) - Esta é a verdade histórica: a África do Sul entrou por Angola dentro para contrabalançar o auxilio de Cuba ao MPLA que se vinha notando desde meio ano atrás. Agora tem-se pretendido inverter os dados, proclamando a todo o mundo que os cubanos foram a Angola para expulsar os sulafricanos. Mas milhares de portugueses que, ao tempo, ainda se encontram em Angola podem testemunhar que não foi assim.