Lobito, 20 Novembro de 1975

Um ano atrás a população do Lobito rasava os 100 mil habitantes. Tinha uma vida de intensa actividade, com um bom doseamento entre o desenvolvimento comercial e o industrial. O aumento demográfico era firme e notável, e a construção civil mal podia acompanhar o ritmo. Cidade estuante, cujo progresso só era refreado, por vezes, pela morosidade da maquina da Administração Pública.

A população era composta por cerca de 30 mil brancos e 60 a 70 mil negros ( incluindo digita percentagem de mestiços).
Porto de mar de primeira grandeza, em termos africanos, tinha vida noturna trepidante, como é típico de cidades portuárias. Hoje calcula-se que restem uns escassos 1.500 brancos (quase todos homens) e talvez mil negros.
As actividades estão adormecidas. Escritórios onde dantes labutavam 30 a 40 empregados ao som do matraquear das dactilógrafas, estão vazios, silenciosos sob o olhar vago de um ou dois empregados, quando não apenas do continuo. Parte do comercio encerrou, quer pelo abandono do pessoal, quer pela falta do que vender; alguns estabelecimentos ainda estão abertos, mas as estantes e escaparates ficam dia a dia mais vazios. Não vale a pena renovar mercadoria, ainda que se consiga, porque há grande dúvida em receber o preço.

A industria tem sorte indentica. As oficinas não trabalham e não há quem faça uma reparação domestica. Os automóveis circulam com as estruturas amolgadas. Algumas repartições publicas, ou serviços do Estado, fecharam ou têm apenas funcionamento virtual. Prolifera o mercado negro e, curiosamente, são os próprios pretos que se exploram uns aos outros, com muito mais ousadia e avidez que os brancos que eles acusavam de exploradores.

Grande parte da população negra debandou para as suas terras de origem, a partir de Agosto, com receio de ser envolvida nas violentas confrontações dos Movimentos. Era gente apolitica, que vivia tranquilamente do seu trabalho e que lamenta uma Independência que lhes tirou o pão de cada dia, chorando já os tempos antigos.
Os que ficaram são os politiqueiros (salvo excepçoes), os aventureiros, os oportunistas, os que têm em mira aproveitar a ocasião para apropriação dos haveres dos brancos.

E a tropa ?
A tropa só pensa em dar tiros e perseguir o rival. E apropriar-se também, quando haja azo.
Quanto aos brancos a debandada começou mais cedo, desde o principio do ano, por assim dizer. Primeiro, lentamente e só mulheres e crianças; depois, mais e mais, e homens também. De Agosto a Outubro foi a retirada geral. Esta fuga maciça tem diversas determinantes que interessa analisar e clarificar.
Uns abalaram porque a sua anterior conduta com a população negra teria sido menos correcta e temiam retaliações; alguns porque foram efetivamente vitimas de ofensas ou de depredações; outros, porque já haviam colocado previamente os seus valores em Portugal e nada os prendia agora aqui; mais alguns, porque mais assustadiços, receavam possíveis violências; e finalmente os restantes (e foram bastantes) porque aproveitaram as viagens gratuitas para gozar umas férias e rever família e amigos.
Este êxodo que começou pelos que, efetivamente, se determinaram a retirar de vez, acabou por contagiar outros que, tomados de pânico, acabaram também por abandonar Angola, mesmo sem atentarem nas condições de subsistencia que teriam no destino. E Angola ficou quase vazia de trabalhadores qualificados. Este país que na última década que se definiu por franca e firme prosperidade (3º pais africano com Produto Nacional Bruto mais elevado) provavelmente vai retorcer 50 anos.
Atrás ficaram ditas as razoes que teriam determinado o êxodo, mas talvez essas razoes não tenham sido mais que detonadores a desencadear o processo. Do fundo parece surgir um latente fundamento comum - o racismo. (...)