Lobito 3 de Novembro 1975

Estamos a 8 dias da data fixada, em Alvor, para a Independência, que eu continuo a crer que não se formalizará nesse dia por não haver quem, com legitimidade, possa receber os poderes da governação.
Em Alvor ficou acordado que se escolheria um Governo de Transição (que se cumpriu mas que já não existe), que se elaboraria uma Lei Fundamental (funcionamento como Constituição provisória) e que se procederia a eleições.
Com temporãs confrontações armadas, iniciadas pelo MPLA contra os os Movimentos, frustrou-se todo o programa. Compete agora ao Governo Português, com fundamento nos termos do Acordo, adiar a data da independência até a situação se normalizar. Mas duvido que o faça.
O MPLA começou por escorraçar de Luanda a FNLA, e depois a UNITA, desfazendo-se consequentemente o Governo de Transição coligado. E não mais se ouviu falar em eleições, pois este processo de consulta popular é inconveniente para os partidos de cariz totalitário. Estes não precisam de consultar o povo; pois se eles se propõem governar em nome do povo, para quê consulta-lo ? Pois se eles representam o povo, se eles são o povo !
Depois de convenientemente instalado em Luanda ( com a passividade do Governo Português, diga-se também ), o MPLA deu inicio à segunda fase do seu programa: Intitulou-se ÚNICO representante legitimo do povo angolano; os outros não seriam mais que invasores apoiados em mercenários a mando de potências estrangeiras, e inimigos do povo.
Mas os estrangeiros que auxiliavam o MPLA em material bélico e instrutores ( soviéticos, checos, yugoslavos e alguns comandos do exercito português) em combatentes ( cubanos e argelinos), esses não eram mercenários, não eram estrangeiros, eram apenas "progressistas" que vieram em seu socorro por solidariedade com o ideal comum.
Cabe aqui referir um acontecimento que deu brado em todo o mundo:quando o MPLA afastou violentamente de Luanda a FNLA, ocupou-lhe as instalações espalhadas pelos bairros da cidade. No dia seguinte, convocou-se todos os jornalistas e correspondentes da imprensa estrangeira e levou-os a visitar as instalações anteriormente ocupadas pelos escritórios e piquetes da FNLA. Nelas se mostrou aos circunstantes embasbacados a existência de vários ossos humanos e, dentro dos frigoríficos, algumas vísceras como corações, rins e pulmões.
No dizer dos chefes do MPLA, tratava-se de restos humanos das vitimas da FNLA, ali guardados por estes para banquetearem, deste modo assacando àquele Movimento instintos e práticas de canibalismo.
Embora alguns jornalistas tenham posto reserva ao que presenciaram, muitos ocorreram aos telefones e telexes transmitindo a assombrosa notícia às suas agências. E o acontecimento correu mundo, principalmente na imprensa afeiçoada.
Mas o caso era por demais insólito para merecer credibilidade. E em breve se apurou tratar-se de um golpe maquiavélico para desacreditar a FNLA. Os jovens discípulos depressa aprenderam as lições de seus experimentados mestres soviéticos...
Aqueles restos humanos haviam sido simplesmente furtados por elementos da MPLA, na noite anterior, dos laboratórios de patologia do Hospital Universitário, e colocados nos locais onde, posterior e espetacularmente, foram encontrados com estudada encenação.
Embora muita gente o pudesse provar, ninguém teve coragem de o fazer publicamente; até que surgiu uma médica daqueles laboratórios que, desassombradamente, se propunha desmascarar o ardil; para tanto, solicitou uma conferencia da imprensa a fim de, com a mesma publicidade, prestar suas declarações. Mas essa conferencia não chegou a realizar-se porque entretanto, a médica... desapareceu! Consta que foi raptada quando chegava à sua residência. Decorridos já 3 ou 4 meses, não mais apareceu.
O processo
não é novo, ainda que recambolesco e grosseiro, mas mesmo já vulgar nos estados totalitários, causa sempre abalo aos incautos.
Os discípulos depressa aprenderam.
Estamos, portanto, em vésperas de Independência mas, como já disse, ainda não se sabe a quem deverá ser feita a entrega de poderes.
A respeito, há três correntes de opinião:
Uns, de harmonia com o que ficou estabelecido no Acordo de Alvor, pretendem que a entrega seja feita aos três Movimentos em conjunto, como ( segundo o Acordo) "únicos e legítimos representantes" do povo angolano.
Outros, como o MPLA, desejam que Angola seja confiada apenas a este Movimento, já porque domina em 12 dos 16 distritos do país ( o que, diga-se já, nunca foi verdadeiro ), já porque o MPLA é o ÚNICO representante do povo e o único que com ele se identifica. Esta corrente é perfilhada publicamente pela URSS, pelos seus satélites, pelo Governo Português (nos bastidores).
Finalmente, a terceira corrente opina que a data deve ser adiada, e a entrega só se deverá efectuar quando os três Movimentos se colidirem ou... se eliminarem.
O IV Governo Provisório de Portugal veio meter alguma alteração à conduta dos Governos anteriores: recentemente, o Ministro dos Estrangeiros declarou na ONU que Portugal só faria entrega aos três Movimentos. Esta declaração levantou uma vaga de protestos na imprensa de Angola manipulada pelo MPLA, bem como nos areópagos do Movimento. Mas, apesar da intensa actividade do MPLA junto da OUA (Organização da Unidade Africana) parece que este organismo não está na disposição de concordar com a solução da entrega exclusiva àquele Movimento.