Lobito 7 de Novembro 1975

A manhã começou calma. O trânsito quase nulo e não há viaturas estacionadas nas ruas despidas de vida.
Com as tropas em fuga debandaram também muitos civis comprometidos com o Movimento vencido.
A população, já antes rarefeita, mais diminuída ficou. Aspectos de cidade fantasma que lembram filmes do oeste americano.
Na baía, quando há meses havia muitos navios fundeados a aguardar espaço de atracação, nem um navio agora. Baía limpa, cais vazios.
No inicio da tarde foi anunciado que, finalmente, as tropas vencedoras iam entrar na cidade. Não presenciei essa chegada, mas foi-me dito que foram recebidas com manifestações de alegria pela população. Brancos e pretos ter-se-iam juntado nos pontos de entrada vitoriando as tropas, gente de pé e de carro (ainda restavam carros) dava largas à sua alegria, dando vivas e fazendo o sinal simbólico de cada Movimento, ao que os militares correspondiam. Todos se sentiam desoprimidos, de peito dilatado, se bem que, em boa vontade e salvo casos de excepção, o Movimento escorraçado não tenha exercido muita opressão.

Dias antes, ninguém podia prever uma coisa destas.
Toda a gente se interrogava como foi possível a ocupação da cidade sem um tiro, quando se tinha como certo que a tomada da cidade não ocorreria sem violenta batalha, pois conheciam-se os meios de que dispunha o MPLA em homens e material. Mas aconteceu...e felizmente.
Várias hipóteses se aventam para explicar tão grande descalabro do MPLA. A mais viável parece ser a seguinte;
Como já atrás tive a oportunidade de referir, o MPLA, como grupo de elites, não se identificava com o povo -- apesar de constantemente apregoar que o MPLA era o legitimo representante do povo, e apelar para a "resistência popular generalizada". Por isso, sempre teve muita dificuldade em recrutar soldados; os burocratas mulatos e os estudantes podiam ser muito bons elementos para fazer comícios e berrar "slogans", mas não eram certamente - e não foram - massa recutável para actuar com armas na mão. E cedo o Movimento necessitou do concurso de estrangeiros; primeiro como instrutores e, eventualmente, actuantes de armas especiais; depois como combatentes integrais.
Soviéticos e checos continuaram na rectaguarda, instruindo, planeando,e assistindo, mas grande parte dos cubanos foram mesmo combater na frente. Enquanto os outros Movimentos se encontravam em fracas condições de luta, desorganizados, mal instruídos e mal abastecidos, tudo correu nos melhores do mundos para o MPLA, que averbou vitórias sobre vitórias em marchas gloriosas por quase Angola inteira, aproveitando-se (não esquecer) do sempre valioso e oportuno (embora indirecto) apoio das guarnições do Exercito Português.
E deste jeito o MPLA dominou, seguramente, sobre 3/5, ou talvez 3/4, do território. Na zona leste (Moxico e Lunda) o seu domínio foi sobretudo alcançado com o decisivo concurso de cerca de 1.500 catangueses (antigos gendarmes de Moisés Tchombé que, finda há anos a secessão do Katanga, se refugiaram em Angola e por aqui ficaram mantidos pelo Governo Português).
A fortuna, porém, virou.
O Exercito Português foi embora, a FNLA e UNITA rearmaram-se, reformaram as estruturas esquadrando nas suas hostes elementos brancos ( que aliás, o MPLA sempre teve desde o principio). Enquanto isso, as forças do MPLA disseminaram-se pelo país, sem reservas que garantissem uma ocupação eficaz.
E deu-se o volte-face. E se, antes, foi rápido o recuo dos dois Movimentos, não menos rápida e espectacular foi a recuperação.
Outro factor que deve ter apressado este resultado: segundo os próprios cubanos, que já se contam por alguns milhares, estes teriam sido engajados em Cuba apenas para instrutores das forças do MPLA.  Todavia chegados a Angola, a maior parte (porque entretanto talvez tivessem aumentado as dificuldades) foi enviada para as frentes de combate, onde muitos já pareceram.
É voz corrente que rápida derrota do MPLA na batalha que se desenvolveu  ao sul de Benguela -- e que foi a abertura de uma progressão quase fulminante para o domínio da zona pelas tropas contrárias -- foi principalmente devida a desistência dos cubanos. Estes ter-se-iam recusado a continuar a luta, alegando que não foram recrutados para tal missão. E era sobretudo neles que o MPLA confiava a sua resistência.
Em face deste acontecimento, as tropas negras do MPLA facilmente se desmoralizaram e...foi o inicio da derrocada. Se não é verdade é, pelo menos lógico.
Posto que ainda sem confirmação idónea, estima-se que nessa batalha teria havido cerca de 800 baixas do MPLA (negros e cubanos) e uma 150 nas forças contrárias (negros da FNLA e brancos alistados na África do Sul).